Justiça/“Há espaço para negociações sérias entre a
Guiné-Bissau e o Senegal sobre fronteira marítima” – diz constitucionalista Emiílio Kafft Costa
Bissau,18 Jan 22(ANG) - O constitucionalista guineense e professor da faculdade de Direito de Lisboa, Emílio Kafft Costa defendeu segunda-feira que há espaço para a Guiné-Bissau e o Senegal terem "negociações políticas sérias" sobre a fronteira marítima.
A
fronteira marítima entre a Guiné-Bissau e o Senegal foi definida em 1960 por
Portugal e França num Acordo por Troca de Notas. A Guiné-Bissau já independente
tentou alterar a fronteira num processo que envolveu a criação de um tribunal
arbitral, que decidiu por mantê-las.
"Em
termos jurídicos restritos, a decisão consolidou-se. Podemos criticar a
qualidade técnica da decisão, podemos criticar a racionalidade da decisão, mas
a partir do momento em que se construiu o tribunal isso permitiu que o tribunal
decidisse e está decidido", afirmou Kafft Costa, quando questionado pela
Lusa sobre a possibilidade de alteração da fronteira marítima.
Mas,
segundo o jurista, "há espaço para negociações políticas séria. Não
há nenhuma decisão por mais jurídica que seja, que não possa ser revertida se
as partes nacionais entenderem que isso é bom para o futuro dessas
comunidades", salientou.
O
professor da Faculdade de Direito de Lisboa falava à Lusa no âmbito do
lançamento do seu livro "Contencioso fronteiriço do mar. Direito
internacional, constitucional e geografia (Guiné-Bissau e Senegal num estudo
caso), apresentado no domingo, em Bissau.
"O
Senegal percebeu que é importante ter a sul um Estado amigo e a Guiné-Bissau
percebeu também que precisa de um Senegal amigo, um parceiro forte, honesto,
nas suas relações.
Se
pegarmos nesses pressupostos, as autoridades políticas, a nível de uma
intervenção diplomática forte, podem trazer à agenda negocial de novo esse
problema", afirmou.
Kafft
Costa disse pensar ser "possível reabrir" o dossiê se todos,
incluindo políticos, militares, se "consciencializarem que é uma
estratégia nacional".
"Abrir
em prol do Senegal, da Guiné-Bissau, porque ninguém está interessado em deixar
para as calendas gregas este problema", afirmou, salientando que o
tribunal arbitral fez um péssimo trabalho, mas que a Guiné-Bissau também
contribuiu para o insucesso.
Segundo
o professor, o tema do livro interessa "principalmente aos decisores
políticos, porque está nas mãos deles a resolução de um problema que não tem
sido equacionado de forma séria, competente ou pelo menos eficiente".
"É
tão ineficiente a abordagem que já vamos a caminho dos 40 anos com um
contencioso judicial pendente, ainda que me digam que já houve um acórdão do
tribunal arbitral e do Tribunal Internacional de Justiça", afirmou.
Para
Kafft Costa, o facto de o tema ainda estar a ser falado "significa que não
foi resolvido, porque a comunidade guineense não se revê no desfecho".
"É
uma questão de soberania muito delicada e que deve ser equacionada de forma
séria, razoável pelos decisores políticos de ambos os países. Não é só a
Guiné-Bissau que se sente prejudicada, que deve sentir essa necessidade de
tomar uma atitude diferente, é também o Senegal, que deve pensar que faz
fronteira com a Guiné-Bissau e não interessa de todo manter 'ad eterno' esse
estado de coisas, esse estado de espírito, esse estado na relação entre dois
povos que são irmãos", afirmou.
O
professor considerou que os decisores políticos se têm de capacitar que a
situação "não está resolvida" e que a resolução não passa por
negociar a partilha da área marítima de exploração conjunta.
"O
problema não está no quanto cada parte vai ter na exploração. O problema está a
montante de tudo, está num problema mal resolvido e todos os problemas mal
resolvidos têm consequências nefastas para o futuro", disse.
Para
o professor, é chegado o "momento de as autoridades senegalesas e
guineenses deixarem de laborar ilusões, de factos consumados, e discutir aquilo
que em 1960 foi mal equacionado, mal resolvido".ANG/LUSA
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