quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Paris/"França posicionou-se no conflito sarauí por ter vindo a ser empurrada para fora de África"

Bissau, 01 Ago 24 (ANG) - O chefe da diplomacia francesa considerou quarta-feira à noite que o apoio da França ao plano de autonomia marroquino para o Sahara Ocidental é um passo "natural" e existe um "consenso internacional" em torno da iniciativa que Marrocos apresentou em 2007, isto depois de o Presidente Francês ter dirigido uma carta ao rei de Marrocos formalizando o seu apoio às pretensões territoriais de Rabat sobre esse território também reclamado pelos independentistas sarauís.

Com clareza e constância, a França sempre reconheceu o carácter existencial do Saara Ocidental para Marrocos. Sempre nos mantivemos ao lado do Reino nesta questão de segurança nacional", disse Stéphane Séjourné durante uma recepção dada pela embaixada de Marrocos em Paris por ocasião dos 25 anos da chegada ao poder do rei Mohammed VI.

Esta não é contudo a opinião de todos em França: embora esta postura tenha recebido o apoio da direita francesa, ela foi criticada pela esquerda que considera que o "Presidente francês traiu a posição histórica de equilíbrio" da França.

João Henriques, Vice-Presidente do Observatório do Mundo Islâmico na Universidade Autónoma de Lisboa, considera que esta reviravolta francesa deve-se ao imperativo para a França de não perder totalmente a sua influência num continente onde está em recuo.

"A França posicionou-se relativamente à sua política externa no caso do conflito sarauí por razões naturalmente de geoestratégia, porque a França tem vindo a ser empurrada para fora do continente africano pelos governos locais. E para França, é importante ter uma enorme representação, tanto sob o ponto de vista geopolítico, geoestratégico, como também sob o ponto de vista comercial", começa por considerar o especialista.

"Esta reviravolta é consequência daquilo que foram as ameaças de Marrocos às posições assumidas por Paris e, nesta altura, aquilo que se está a verificar é que o número de países vai crescendo relativamente ao apoio que é dado a Marrocos e à sua alegada soberania sobre aquele território", acrescenta o estudioso para quem esta inflexão da posição francesa relativamente ao estatuto do Saara Ocidental pode marcar igualmente uma perda progressiva da influência da Argélia neste dossier em que tem sido um apoio constante dos separatistas sarauís da Frente Polisario.

Indício da violência com que foi acolhida na Argélia a mudança da posição de Paris, as autoridades argelinas anunciaram ontem a retirada do seu embaixador acreditado em Paris, o chefe da diplomacia desse país, Ahmed Attaf, garantindo hoje que este "é um primeiro passo que será seguido por outros". O Saara Ocidental "continua a ser um território não-autónomo segundo a ONU e a decisão francesa não vai mudar nada", assegurou ainda o governante ao referir que a "Missão das Nações Unidas para a organização de um referendo no Saara Ocidental (Minurso) permanecerá" no local.

O Saara Ocidental, território rico em pescado e fosfatos, está em conflito com Rabat há 50 anos. Marrocos que controla cerca de 80% Saara Ocidental, propõe um plano de autonomia sob a sua soberania, enquanto os independentistas da Frente Polisario, apoiados pela Argélia, bem como os Estados-Membros da UE pedem um referendo de autodeterminação, previsto pela ONU quando foi assinado em 1991 um cessar-fogo, mas nunca concretizado.

Depois de uma relativa acalmia observada durante cerca de 30 anos na sequência desse cessar-fogo, Marrocos invadiu em 2021 esse território, pouco depois do então Presidente americano, Donald Trump, e de Israel terem reconhecido a soberania marroquina sobre o Saara Ocidental em finais de 2020. Em 2022, foi a vez de a Espanha, antiga potência colonial, sair da sua neutralidade, sendo seguida no mesmo caminho por uma série de países árabes.ANG/RFI

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