sexta-feira, 28 de março de 2025

Gaza Project /História de Fadi, jornalista gravemente ferido em pleno exercício da profissão

Bissau, 28 Mar 25 (ANG) - A RFI é um dos doze meios de comunicação social internacionais que participa no Gaza Project, uma iniciativa do consórcio Forbidden Stories, que reúne cerca de quarenta jornalistas e especialistas.

Trata-se de uma investigação colaborativa sobre as ameaças aos jornalistas palestinianos que cobrem a guerra na Faixa de Gaza desde Outubro de 2023. Esta quinta-feira, a história de Fadi al-Wahidi.

Esta quinta-feira, a história de Fadi al-Wahidi, paralisado desde que foi atingido no pescoço por uma bala. A reconstrução minuciosa dos factos mostra que Fadi era perfeitamente identificável como jornalista.

O jovem palestiniano encontra-se imobilizado numa cama de um hospital, no Cairo, Egipto. Fadi al-Wahidi, de 25 anos, não sabe se voltará a pôr-se de pé e a andar. A 09 de Outubro de 2024, foi baleado no pescoço, entre a segunda e a terceira vértebra. Resultado: uma grave lesão na medula espinal que lhe provocou a paralisia das duas pernas.

"A minha medula espinal foi fracturada. Por causa disso, sou paraplégico", explica Fadi, que os jornalistas do Forbidden Stories conseguiram entrevistar várias vezes. "Sinto, constantemente, descargas eléctricas nas mãos. É uma sensação constante, que não desaparece. Impede-me de dormir à noite e, por vezes, até durante o dia. Os analgésicos não fazem efeito", acrescenta o jovem jornalista, atingido em pleno exercício da profissão.

Fotografias tiradas poucos meses antes mostram Fadi al-Wahidi de pé, com um colete azul marcado com as letras "Press" [Imprensa]. Foi no Outono: o repórter de imagem do canal de televisão Al Jazeera, trabalhava sobre a situação dos palestinianos do norte da Faixa de Gaza, forçados a fugir devido à ofensiva israelita.

"Nesse dia, decorria uma operação terrestre. Eu estava lá apenas para filmar o meu colega Anas al-Sharif, que fazia uma reportagem sobre o deslocamento das populações", relata. Fadi documentava a guerra que assolava as ruas que bem conhecia : é natural de Jabalia, onde decorria a ofensiva israelita.

"Tínhamos ouvido dizer que bombardeamentos aleatórios tinham atingido habitações civis", recorda. "As pessoas fugiram à pressa, de mãos vazias. Nesse dia, ninguém sabia onde procurar refúgio. Lembro-me de que as pessoas estavam simplesmente sentadas no chão, por não haver outra opção".

Várias equipas de jornalistas, incluindo a da Al Jazeera – com Fadi e Anas al-Sharif – estavam no bairro de al-Saftawi para cobrir os acontecimentos quando começaram os disparos. O momento foi filmado pelo próprio Fadi, que em vídeo capturou o instante em que os colegas tentam fugir do perigo. Dezasseis segundos de corrida desenfreada pelas ruas de Gaza. A última imagem é o rosto do jovem repórter de imagem.

"Até agora, esses tiros ainda ressoam nos meus ouvidos", conta Fadi. "Balas que assobiam e fazem ricochete nas portas e paredes ao meu lado. Queriam matar-nos, a mim e aos meus colegas, visando-nos directamente".

Fadi perdeu os sentidos. Um vídeo mostra-o caído no chão, de bruços. Durante muito tempo, os colegas não o conseguiram socorrer, devido ao risco de serem atingidos. Outra gravação mostra quatro homens a retirar do local o corpo do repórter inanimado. Fadi, ainda com o colete "Press" [Imprensa], foi levado para um carro e transportado para o hospital al-Shifa, em Gaza.

O Forbidden Stories teve acesso ao processo clínico de Fadi e entrevistou o médico que o operou, que confirmou a lesão por bala no pescoço, os danos na medula espinal e a paralisia das duas pernas.

Fadi foi atingido fora de uma zona assinalada para evacuação. Na véspera, a 08 de Outubro de 2024, o exército israelita publicou na rede social X, em árabe, um mapa que indicava operações militares no campo de refugiados de Jabalia. A mensagem instava os habitantes a abandonarem "imediatamente" a zona e a dirigirem-se para o sul da Faixa de Gaza, acrescentando que as "forças da 162ª divisão iriam operar nesse sector por via aérea e terrestre".

Através de ferramentas de geolocalização, a investigação do Forbidden Stories confirma que as equipas de televisão, incluindo a da Al Jazeera – com Fadi e Anas –, estavam fora dessa zona a 09 de Outubro, dia em que Fadi foi gravemente ferido. Além dos coletes "Press" [Imprensa], os jornalistas tinham instalado equipamento de transmissão de imagens, o que os identificava claramente como profissionais de informação.

Fadi foi atingido por um atirador humano ou por um drone? A questão continua sem resposta, mas testemunhas confirmam a presença de drones no momento do disparo.

"Enquanto filmávamos, um drone de reconhecimento começou a disparar sobre nós", recorda Anas al-Sharif, jornalista da Al Jazeera e colega de Fadi.

Islam Bader e Mohammed Shaheen, outros jornalistas palestinianos presentes no local, também garantem: "Sem sombra de dúvida, tratava-se de um quadricóptero [drone]", afirma Islam Bader. "Durante a guerra, habituámo-nos a reconhecer o som desses drones", acrescenta Mohammed Shaheen.

Contactado para a investigação, o exército israelita não respondeu às perguntas sobre se esses dispositivos foram utilizados em Gaza e rejeitou as acusações de ataques sistemáticos contra jornalistas. Israel reitera atacar apenas "membros de grupos armados e indivíduos que participam directamente nas hostilidades".

Gravemente ferido, Fadi recebeu tratamento na Faixa de Gaza, tendo sido, várias vezes, transferido de hospital devido à escassez de medicamentos.

Apesar da gravidade das lesões, as autoridades israelitas recusaram a transferência  “por razões de segurança" de Fadi para o Egipto. 

A situação apenas se desbloqueou em Fevereiro de 2025, após o cessar-fogo de 19 de Janeiro. Foram necessários 122 dias para que Fadi fosse transferido para o Egipto, onde se encontra a recebr tratamento médico.

Segundo o Comité para a Protecção dos Jornalistas, quase 170 profissionais de comunicação social foram mortos na Faixa de Gaza desde o início da guerra, Outubro de 2023. Poucos dias antes da publicação desta investigação, Hossam Shabat, jornalista palestiniano da Al Jazeera, foi morto num ataque israelita, em Beit Lahya.ANG/RFI

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