A importância e os desafios de uma Zona
de Comércio Livre Africano
Por João Gomes Gonçalves/ Angop
Bissau,
24 mai 19 (ANG) - A menos que haja uma alteração de última hora, a União
Africana procede, à 30 de Maio corrente, ao lançamento oficial da Zona de
Comércio Livre (ZCL) africano, adoptado em Março de 2018, em Kigali, Ruanda.
Bandeira da União Africana |
A ZCL é uma antevisão da UA que pode culminar com a
criação, nos próximos 30 anos, de um Mercado Livre Africano, integrando todos
os países membros.
Segundo o Wikipédia, uma Zona de Comércio Livre é
constituída por países membros que eliminam entre si os direitos aduaneiros e
as restrições quantitativas à importação, mas conservando cada um a sua própria
política comercial em relação aos outros países.
TDe acordo ainda com o Wikipédia, uma zona de Comércio
Livre distingue-se de uma União Aduaneira. Esta é uma outra forma de acordo
comercial regional, no qual se define uma tarifa externa comum.
A ZCL é uma excepção à cláusula da Nação mais
favorecida ( clausula NPF), presente nos acordos da Organização Mundial do
Comércio.
As ZCL não são necessariamente criadas sob critérios
geográficos, embora, geralmente, seja o caso.
Cita-se o exemplo da ZCL criada em 1985, entre os
Estados Unidos e Israel.
A União Europeia (EU) não é uma Zona de Comércio
Livre, mas uma União Económica. Todavia, ela assinou vários acordos de Comércio
Livre com os países não europeus, como os acordos África Caraíbe e Pacífico
(ACP), também conhecido como acordos de Cotonou, rubricados há quase 20 anos.
Hoje, existem cerca de 150 ZCL, metade
das quais criadas desde 1990.
A União Africana e o lançamento de uma ZCL
A União Africana e o lançamento de uma ZCL
Foi nesta perspectiva que, à 21 de Março de 2018, sob
iniciativa do Presidente do Ruanda, Paul Kagame, 44 chefes de Estado membros da
União Africana (UA) adoptaram, em Kigali, a criação de uma ZCL, embrião do
futuro mercado único do continente.
O referido acordo é o culminar de dois anos de
trabalho desenvolvido pelos representantes dos países membros da UA, desde
2015, sob a égide do Presidente do Níger, Mahamadou Issoufou.
Vinte e dois dos 55 Parlamentos nacionais
ratificaram-no, o suficiente para o seu lançamento oficial previsto para o dia
30 de Maio corrente, como revelou recentemente o presidente da Comissão da UA,
o tchadiano Mussa Faki.
Por sucessivas etapas, a iniciativa poderá
transformar-se num acordo obrigatório e funcional.
O convénio tem como objectivo a criação de um mercado
integrado por mais de 1,2 mil milhões de habitantes, onde circularão pessoas,
bens e serviços e capitais.
No fundo, trata-se de tornar realidade uma longa
história que surge com a visão panafricanista defendida por Kwame Nkrumah, a de
criar uma “União dos Estados Africanos”.
Com efeito, para uma integração total, a ZCL deverá
aglutinar os mercados livres regionais em gestação, mormente o Mercado Comum da
África Oriental e Austral (COMESA), a Comunidade da África do Leste (CAE), a
Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), a Comunidade Económica
dos Estados da África Central (CEEAC), a Comunidade Económica dos Estados da
África Ocidental (CEDEAO), bem como a União do Magrebe Árabe (UMA) e a
Comunidade dos Estados Sahélo-saharianos.
O protocolo da ZCL foi ratificado por países que, pelo
seu potencial, podem dinamizar a integração económica entre o Norte (Argélia,
Marrocos e Egipto), o Oeste (Côte d’Ivoire e Nigéria), o Leste (Quénia e
Etiópia), e o Sul (Angola e a África do Sul).
A Nigéria, com uma população estimada em mais de 200
milhões de habitantes e com o maior PIB de África equivalente a 5.900 USD,
ainda não o ratificou.
Lagos, justifica a não ratificação do protocolo da ZCL
com a sua agenda económica nacional baseada na substituição das importações e
na protecção das indústrias nigerianas.
A economia política das reformas comerciais da Nigéria
é complexa, porque o seu mercado interno é vasto, fortemente protegido e, para
a África, apenas exporta 9 % dos seus produtos.
Apesar disso, por razões de diversificação da
economia, de política externa, e porque a Nigéria sonha um dia ser membro
permanente do Conselho de Segurança da ONU, não terá outra alternativa senão a
adesão a ZLEC, porque ficar a margem dela, é perder o apoio aos seus intentos.
Depois de 56 anos de existência, é justo que a UA se
lance para desafios do futuro, como a agenda 2063.
Mas, para que a ZCL vingue, é preciso que os países
africanos tenham mercadorias e serviços em volume e qualidade consideráveis.
Muitos erros são cometidos porque vários países
africanos abrem flancos às influências externas, prejudicando qualquer
tentativa para o reforço da posição do continente no concerto das Nações.
Não é justo que depois de 56 anos da OUA e 16 da UA, a
África ainda continue a ser uma simples reserva de matérias-primas e
consumidora de produtos acabados provenientes dos países desenvolvidos.
Tirando casos isolados, a maioria dos países não
tem indústrias capazes de transformar alimentos e medicamentos, não
dispõe de barragens hidroeléctricas que respondam aos seus prementes
desafios, nem infra-estruturas rodoviárias, ferroviárias, portuárias,
aeroportuárias e de telecomunicações, indispensáveis para materializar o
desenvolvimento das suas trocas.
A recente crise de combustível que Angola, um dos
maiores produtores de petróleo africano viveu, revelou a faceta da dependência
externa a que nos referimos acima.
Mehdi Rais, especialista em Relações Internacionais,
atribui o impasse que a UA vive ao grande desequilíbrio económico existente
entre os Estados-membros.
Cita o caso de alguns países membros super
endividados, e outros que não garantem segurança, susceptíveis de inviabilizar
a integração continental, porque reduzem os esforços da UA tendentes a
impulsionar o desenvolvimento económico e social de África.
O historiador angolano Fernando Manuel entende que
"o problema da integração de África reside no facto de, nas suas
independências, muitos países terem recebido apenas a independência, a bandeira
e o hino nacional, e as matérias-primas continuarem sob controlo das antigas
potências coloniais.
Do seu ponto de vista, comparativamente aos níveis de
desenvolvimento da Europa, o especialista deplora ainda o impasse causado pela
falta de vontade política e de cooperação entre os Estados membros da UA.
Sobre isso, continua válido o célebre discurso do 1.º
Presidente de Angola, Agostinho Neto, proferido em 1978, na Cimeira da OUA, em
Cartum, quando afirmou: “África é um corpo inerte, onde cada abutre vem debicar
o seu pedaço”, sublinhou.
As regras de origem são critérios que permitem
determinar o país de origem do produto.
Ela é importante porque, em muitos casos, os direitos
de restrições aplicáveis dependem da origem dos produtos importados.
Regras mal concebidas podem, em certa medida, anular
as vantagens de um acordo comercial.
Se forem restritivas, elas podem impedir, não apenas
as importações e as entradas intermediarias a partir de outros países, mas
também comprometer a especialização e a competitividade.
Sobre essa matéria, Abdou Diaw, jornalista económico
do diário senegalês “Le Soleil”, acha que definir e atribuir origem às
mercadorias é um desafio específico para a ZCL, por causa do número de países
implicados no Acordo.
Por esta razão, Abdou Diaw pensa que adoptar uma regra
simples de 50 % do valor acrescentado pode ser o modelo.
Em suma, a criação da ZCL é fundamental para a África,
mas o seu funcionamento pleno só será possível quando os Estados membros da UA
ou a maioria deles abandonarem o individualismo oportunista, deixarem de
depender economicamente do exterior e inscreverem-se na lógica de uma
integração multilateral e solidária.ANG/Angop
Sem comentários:
Enviar um comentário