“Ascensão do
nacionalismo decorre de mudança social fundamental”, dizem académicos
Bissau, 16 Out 18 (ANG) – A ascensão de partidos nacionalistas
no mundo ocidental decorre de uma mudança fundamental nas sociedades, de base
mais cultural que económica, defendem dois destacados cientistas políticos
especializados em assuntos europeus.
Imagem ilustrativo |
A belga Liesbet Hooghe e o britânico Gary Marks, professores na
Universidade da Carolina do Norte, são apontados como os primeiros acadêmicos
que identificaram uma clivagem na forma como as populações viam a integração
europeia e previram, há uma década, a ascensão dos nacionalismos.
“Chamamos-lhe clivagem porque não traduz uma discordância em
relação a políticas, mas algo que afasta as pessoas em relação a assuntos sobre
os quais discordam”, explica Marks, numa entrevista à agência Lusa.
“As pessoas que tendem a gostar da Europa, do multiculturalismo,
das fronteiras abertas, tendem a ser pessoas com mais formação, especialmente
educação superior, que vivem em cidades e exercem ‘profissões sociais’, em que
lidam com pessoas a um nível mais elevado”, precisa Hooghe.
Do outro lado, os que privilegiam “uma soberania nacional
defensiva, a unidade nacional, que se preocupam com a imigração, tendem a ser
pessoas com menos educação e encontram-se mais em zonas rurais”, acrescenta.
Marks frisa que não se trata de classes sociais no sentido
tradicional, porque “a diferença entre classes reduziu-se”, e dá como exemplo o
eleitorado dos partidos de esquerda, outrora composto sobretudo por
trabalhadores manuais, e o dos de direita, por profissionais e empresários,
diferença que hoje é residual.
“As pessoas formam grupos socioestruturais diferentes e isso vai
contra a forma como costumávamos entender a política”, afirma.
“Costumávamos pensar que a instrução libertaria as pessoas da
sua origem. Seriam educadas, cognitivamente sofisticadas e tomariam decisões em
face dos factos. Seria a individualização da política. Mas isso não aconteceu”,
prossegue o investigador.
“Na essência, temos um modelo político em que uma mudança
fundamental social leva a que os indivíduos tenham crenças profundamente
enraizadas”, precisa.
Marks e Hooghe criaram dois acrónimos que agregam estes novos
grupos sociais, que coexistem sem se sobrepor à esquerda e à direita: GAL, ou
Green, Alternative, Libertarian (Ambiental, Alternativo, Libertário) e TAN,
Tradicional, Autoritário, Nacionalista.
“É uma forma diferente de organizar as ideias”, até porque os
partidos nacionalistas “não são a direita radical, muitas vezes são
economicamente centro-esquerda, especialmente quanto à protecção social dos
nacionais”, explica Marks.
“É muito mais cultural, menos económico”, acrescenta Hooghe.
Estas mudanças vão reflectir-se nas próximas eleições para o
Parlamento Europeu.
“Provavelmente os maiores vencedores vão ser os Verdes, ou
partidos como eles que não se chamam assim mas são igualmente transnacionalistas,
e por outro lado os nacionalistas”, diz Hooghe.
“As eleições [de domingo] na Baviera são um indicador. Os Verdes
quase duplicaram a votação e os sociais-democratas caíram para metade”,
acrescenta Marks. Nas europeias, “os partidos GAL-TAN vão aumentar a sua
votação e os partidos de esquerda e de direita vão vê-la reduzida”.
“E a tendência é para que, entre os partidos convencionais, a
social-democracia, a esquerda moderada, tenda a ter muita dificuldade em
manter-se”, adianta Hooghe.
Liesbet Hooghe e Gary Marks foram entrevistados pela Lusa à
margem da conferência “A Europa na encruzilhada” que decorreu na segunda-feira
no Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa (UL).
ANG/Inforpress/Lusa
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