Política/ Aristides Gomes recorre ao Tribunal Africano dos Direitos Humanos
Actualmente radicado em França, Gomes denuncia uma tentativa de rapto aquando da sua participação em Novembro de 2022, em Bissau, no congresso do PAIGC
RFI: Qual é o seu estatuto ? Está radicado
em França? O senhor tem, mesmo, a nacionalidade francesa ?
Aristides Gomes: Sim estou radicado em França. Não tenho a
nacionalidade francesa, mas sempre vivi cá.
Formou-se cá [em França], viveu cá várias
vezes ao longo da sua vida !
Formei-me cá e tenho os meus filhos que
nasceram cá e que são franceses. Eu nunca pedi a nacionalidade. Mas enfm...
Isto apesar de, segundo a lei, ter o direito: por casamento e pela situação dos
meus filhos, etc.
No entanto, apesar de estar em França, o senhor primeiro-ministro deu a entender que, obviamente, se interessava pelo que estava a acontecer no seu país natal, que está na perspectiva de eleições que deveriam ter lugar, agora, a 4 de Junho de 2023. Já houve várias datas, a Assembleia também já foi dissolvida há largos meses. O senhor interessa-se, vai votar, pelo menos ?
Vou votar. Fui fazer o registo nas listas eleitorais há dias, aqui, em Paris, portanto vou votar. Eu gostaria de estar presente na Guiné-Bissau, por ocasião das eleições e participar na campanha eleitoral. Mas, infelizmente, pelos vistos, o regime não quer que eu esteja presente, portanto eu vou apoiar o meu partido e vou votar no exterior.
Diz que tem dúvidas sobre o facto de que
poderá ser recebido no seu país natal. O certo é que, ainda assim, o senhor lá
esteve. Em Novembro participou no Congresso do PAIGC, uma força à qual aderiu
em 1973, apesar do parêntesis do PRID, mas voltou ao PAIGC há largos anos. O
que é que aconteceu, exactamente ? E quais são as consequências do que terá
ocorrido ? Apresentou queixa, aonde ? Na justiça guineense por tentativa de
rapto?
Apresentei. É a segunda vez que apresento
queixa na justiça guineense. E é a segunda vez que terei de recorrer à justiça
internacional. Pela primeira vez apresentei na Guiné e no Tribunal da CEDEAO
[Comunidade económica dos Estados da África ocidental].
Desta vez apresentei na Guiné-Bissau,
estava à espera da reacção da instituição judicial, que não reagiu já lá vão
três meses. Por conseguinte, já estou a preparar uma queixa para o Tribunal
Africano dos direitos humanos.
O que aconteceu é que fui ao Congresso.
Foi no mesmo dia que eu cheguei. Estive no aeroporto, saí do aeroporto, fui
almoçar, fui à sala do Congresso, e por volta das 21 e 30 da noite, aparece um
grupo, do Ministério do Interior, um grupo de paramilitares ou de militares,
encapuçados, gente encapuçada, armada até aos dentes, com coletes à prova de
balas, que veio para me raptar.
Quando viu surgir essas silhuetas o que é
que lhe ocorreu ?
Eu estava à espera que alguma coisa
acontecesse, porque quando eu cheguei a Lisboa, na quarta-feira, devia seguir
para Bissau na quinta-feira, havia um voo da TAP. Na quinta-feira não fui
porque tive alguma informação em como a minha presença era indesejável.
Na quinta-feira tive a informação em como
teria havido polícias que se apresentaram no guichet da TAP no aeroporto, pedindo
a lista dos passageiros para ver se o meu nome constava na lista.
Portanto eu já sabia que a minha presença
era uma presença incómoda. Ainda assim eu insisti e fui na sexta-feira. Porque
eu não estava a querer aceitar que, tendo ficado nas Nações Unidas durante onze
meses e que a justiça guineense não conseguiu provar nada contra mim, aliás,
não foi a razão pela qual eu teria ido às Nações Unidas: fui às Nações Unidas
por iniciativa das Nações Unidas e das forças da CEDEAO que estavam presentes e
que me protegiam.
Mas como depois do Sissoco [Umaro Sissoco
Embaló, presidente da república] assumir o poder, pela maneira como assumiu,
mandou embora as forças da CEDEAO. Então em colaboração com as Nações Unidas, e
a CEDEAO, quis que eu saísse de casa e que ficasse sob a sua protecção.
Mas as Nações Unidas acharam, na altura,
que era melhor eu ficar nas Nações Unidas, do que ir para o aquartelamento da
CEDEAO. Portanto aí não havia muita confiança. Seis meses depois, é que surge,
na verdade, uma tentativa de justificação por parte das autoridades judiciais
da Guiné-Bissau, através da Procuradoria na altura. Eu reagi e meti uma queixa
porque o que estava a ser evocado não tinha nem pé nem cabeça.
Falemos, então, um pouco do que está a ser
evocado. Sabemos que durante os vários períodos em que o senhor foi chefe do
executivo houve, por exemplo, uma grande apreensão de droga. Depois
falou-se em desvio da dita droga. Fala-se em vários desvios de fundos. Há ou
não há queixas-crime contra o senhor? Havia ou não havia mandado de detenção
contra a sua pessoa?
Não há queixa nenhuma. Não há investigação
nenhuma, não há dossier nenhum contra a minha pessoa. Aliás não sou eu que digo
isso, é o próprio Tribunal da Relação de Bissau, que acabou por emitir um
comunicado, a dizer que não havia nada.
Em Outubro do ano transacto !
Exactamente, Por isso este ano eu
estranhei que tivesse havido, portanto, o que aconteceu no Congresso. Mas no
Congresso, já estava preparado psicologicamente para isso, mas felizmente as
pessoas que estavam no Congresso, havia mais de mil pessoas no Congresso,
reagiram, de forma determinada, e acabaram por dissuadir aquela equipa de
militares ou paramilitares que tinha vindo para me raptar, porque não havia convocação
nenhuma, por parte da Procuradoria.
Eles exibiram um papel, horas depois, nas
redes sociais. Nesse papel há uma assinatura de três ditos Magistrados, porque
não há nomes, há simplesmente três assinaturas.
No papel não dizem nada, só dizem que há
uma ordem de detenção de Aristides Gomes. Face a isto, eu considero que foi uma
tentativa de rapto porque, numa sexta-feira, num fim-de-semana, por volta das
21 e 30, num Congresso, veio gente encapuçada, armada até aos dentes, com
coletes à prova de bala e tudo, para tentar levar uma pessoa, não podia ser
senão uma tentativa de rapto !
Por isso é que eu meti uma queixa. E até
agora não há reacção nenhuma por parte das autoridades judiciais da
Guiné-Bissau, por parte da Procuradoria. Eu estou à espera.
Passados uns três meses, naturalmente que
tenho o direito de passar para a frente, neste caso concreto fazer uma queixa
para o plano internacional, como eu fiz em 2021.
A relatora do Conselho dos Direitos
Humanos da ONU veio também pedir explicações às autoridades guineenses sobre
vários casos, o último caso sendo Marcelino Intupé, que foi agredido.
Reconheceu, inclusivamente, um dos agressores, que seria um próximo colaborador
da presidência da república. Até ao momento as autoridades de Bissau não
reagem. O senhor dizia que o Estado de direito na Guiné-Bissau está no chão,
está por terra, é mesmo assim ?
Está por terra e é uma pena. Eu sinto e
estou triste, como disse há dias em Lisboa, porque eu participei nessa
edificação, com muitas dificuldades, nós tivemos grandes dificuldades. Mas
conseguimos, na altura, pôr de pé todo um dispositivo legal e institucional, e
houve eleições na base desse dispositivo legal e institucional, desde 1994 até
agora.
Mas desta vez nós estamos a assistir a
coisas que nem sequer são dignas do período anterior à democracia, do período
do partido único ! Quer dizer o sistema do partido único, toda a gente
sabia e conhecia o sistema. E cada um fazia o recurso a uma certa auto-censura
porque conhecendo o sistema, conhecendo as regras do jogo.
Mas a partir do momento em que nós tivemos
uma experiência de dezenas de anos de Estado de direito, de democracia, não se
pode aceitar de maneira nenhuma que aconteçam coisas que estão a acontecer
neste momento: raptos, violência de todo o tipo, ataques a rádios.
Caso da Capital FM !
Caso da Capital FM -, não foi só uma vez,
foram duas vezes, com prejuízos materiais e humanos incríveis.
Muita gente detida desde a suposta
tentativa de golpe de Estado de 1 de Fevereiro, sem culpa formada !
Muita gente detida ! São coisas que são
dignas de um Estado de degenerescência incrível.
Paralelamente, temos um activismo
diplomático, se calhar, jamais visto, inédito ? A Guiné-Bissau
preside, neste momento, a comunidade regional. É a primeira vez que o país o
faz, é mesmo a primeira vez que um Estado lusófono consegue chegar a esse
patamar (também só há 2 na CEDEAO, obviamente).
Um presidente que vai à Ucrânia, que vai à
Rússia, para não falar de tantas deslocações à escala planetária. Que olhar é
que tem sobre o facto de que, porventura, a diplomacia guineense nunca tenha
estado tão activa e ao mais alto nível do Estado ?
Eu acho que pode parecer paradoxal, mas
compreende-se. Porquê? Porque nós estamos numa situação internacional bem
específica. Há o regresso de uma confrontação internacional entre potências,
mais ou menos antagónicas. E há um posicionamento, um re-posicionamento, de
cada uma dessas potências para manter a sua influência na zona em que sempre
exerceu influência.
Portanto esse jogo que os sociólogos diriam
jogo no seio do campo político, há uma confrontação de estratégias para que
cada um possa manter a sua influência na sua zona específica. Portanto os
regimes, os regimes não democráticos, aproveitam-se dessa situação.
Há esses jogos de interesses dessa
confrontação de estratégias no campo político internacional, que faz com que a
parte da democratização, a parte dos direitos humanos é esquecida.
Em termos concretos acha que a França
teria que perder o seu tempo em condenar os actos de violência, os actos de
violação dos direitos humanos na Guiné-Bissau, em relação à necessidade que a
França tem de ter alguma influência no plano, no espaço, da CEDEAO ?
Nunca a França tinha tido um presidente
seu a visitar a Guiné-Bissau, diga-se, em abono da verdade, com o que aconteceu
a Emmanuel Macron !
Exactamente. Portugal, por exemplo, não
teria perdido a oportunidade de manter alguma influência sobre a Guiné-Bissau,
optando, eventualmente, pela condenação daquilo que acontece sobre os direitos
humanos, etc.
Nós estamos numa situação internacional em
que a prioridade é que cada um mantenha alguma influência sobretudo face àquilo
que nós estamos a ver, que está a acontecer nesses países.
E nós estamos também numa situação em que
o "bloco ocidental", precisa desses países, da influência nesses
países, para fazer face à Rússia, à China, e a outras potências que estão a
emergir, à Turquia, aos Emirados Árabes Unidos, à Arábia Saudita.
Portanto nós estamos numa situação de
recomposição internacional, de recomposição do espaço do campo político
internacional, a recomposição da ordem que estava estabelecida depois da
Segunda Guerra Mundial, com a emergência de novas pequenas potências, a
decomposição da própria potência, super-potência americana.
Nós estamos numa situação em que cada uma
das potências está tão preocupada com o seu posicionamento, nesse novo espaço,
nesse novo campo reestruturado, ou em estado de reestruturação no plano
internacional, que põe de lado a diplomacia antiga... que era baseada na
condenação, no respeito dos direitos humanos, na influência cultural, etc.
Nós estamos numa situação diferente, por
isso é que a diplomacia guineense surge como uma diplomacia activa. Mas não tem
nada de activa. Mesmo que não estivesse activa, teria de ser acordada porque
teria que ser solicitada. Hoje em dia todos esses países estão a ser
solicitados pelos Estados Unidos, pela China, pela Rússia, pela Turquia, pelos
Emirados Árabes Unidos porque há uma recomposição. .
Pela primeira vez vai haver, ao que tudo
leva a crer, uma primeira cimeira Espanha/CEDEAO. Nunca aconteceu, porventura
acontecerá sob presidência espanhola. A Espanha preside a União Europeia a
partir de 1 de Julho, neste momento a Guiné-Bissau está a presidir à CEDEAO…
Exactamente, perfeitamente ! A bipolarização
que existia durante a Guerra Fria no plano internacional: Estados Unidos de um
lado, a antiga União Soviética do outro lado, e depois o domínio praticamente
total dos Estados Unidos, depois da queda do Muro de Berlim, tudo isso está a
mudar !
Porque, hoje em dia, há uma existência
multipolar de influência internacional. Portanto com novas potências que
surgem, por isso é que a Rússia está a lutar para poder manter a sua potência,
para não perder, tendo em conta a expansão da própria NATO.
E nessa perspectiva a Rússia foi até
agredir um país que é a Ucrânia. Portanto é nesse perspectiva dessa
recomposição multipolar, no plano internacional, que nós devemos enquadrar
nesta situação actual em que os países, os regimes mais ditatoriais, com uma
vocação mais autocrática têm o espaço aberto para poderem mostrar a sua
verdadeira dimensão de regimes autocráticos como a Guiné-Bissau.
Não há nada finalmente de paradoxal, quer
dizer é uma realidade. Nós temos de fazer face a essa realidade.
O seu partido teve congresso. Haverá
eleições, supostamente em Junho. A ver vemos se esta nova data é cumprida ou
não... Um partido histórico que, de repente, é relegado para uma posição
secundária, que perde a sua maioria no hemiciclo.
Como é que antevê este novo embate eleitoral?
Acredita que o PAIGC, com Domingos Simões Pereira ou com outra pessoa,
conseguirá, desta feita, voltar a reatar com a maioria na Assembleia Nacional
Popular?
Eu acho que a primeira coisa a fazer é
lutar para que as eleições sejam feitas. Segundo que sejam feitas de maneira
transparente com as instituições, que vieram do processo de democratização, que
infelizmente estão a ser postas por terra.
Quer dizer que é preciso que,
primeiramente, haja eleições em Junho porque não houve eleições em Dezembro. A
Assembleia foi dissolvida. Neste momento há uma destruição do sistema político
guineense. O governo já é um governo ilegal, se nós tivermos que analisar à luz
da Constituição porque não existe Assembleia.
O Governo no nosso contexto emerge da
legitimidade da Assembleia. A Assembleia já não existe, não há contra-poderes,
e o presidente está a ultrapassar, mais do que ultrapassar o seu espaço que lhe
é dado, que lhe é atribuído pela Constituição.
Primeiramente é preciso repor as coisas,
pelo menos que haja uma CNE, uma Comissão Nacional de Eleições, independente e
que o seu Presidente seja eleito de uma forma, enfim, que é preciso negociar
isso.
Cipriano Cassamá não parece ver esse
dossier como sendo prioritário?
Exactamente ! Não só não parece como sendo
prioritário, mas ele mesmo está a fazer, está a colaborar na destruição da
instituição parlamentar. Está a evacuar obstinadamente essa função que a
Assembleia tem, mesmo dissolvida, que a sua comissão permanente teria, na
solução desse marasmo ao nível da Presidência da Comissão Nacional das
Eleições.
Por razões ligadas ao seu posicionamento
político interno no PAIGC, portanto ele acha que não está a conseguir aquilo
que gostaria de conseguir no seio do PAIGC, portanto a melhor via seria de
criar esses problemas.
Eu diria, para responder à sua questão:
que o PAIGC tem que se bater, primeiramente para que haja eleições. Em segundo
plano para que as instituições de garantia da transparência possam funcionar.
Para que o PAIGC possa encarar ganhar as
eleições: e eu penso que se essas condições estiverem reunidas, o PAIGC ganha.
Não estou a ver onde é que os outros partidos poderiam ganhar mais eleitorado.
O MADEM G15, o PRS ?
Não estou a ver que haja grandes mudanças
porquê? Porque a própria estrutura, as estruturas sociais da Guiné-Bissau, o
panorama global não mudou muito. Não acho que possa haver terramoto nesse
aspecto. As únicas condições são aquelas que eu apontei.
Meio século de independência ! Foi há 50
anos que tinha sido assassinado em Conacri Amílcar Cabral. Estamos a caminhar a
passos largos para Setembro, aí a proclamação da independência em Madina do
Boé. 50 anos depois olhar olhar para o seu país, olhar para as ideias de
Cabral... Que ideias é que lhe vêm à cabeça sobre se valeu a pena tanta coisa que
o PAIGC tentou fazer ? Meio século depois terão falhado também muitas coisas,
não acha ?
Valeu a pena fazer aquilo que se fez.
Porquê? Porque há uma traçabilidade histórica na Guiné-Bissau que traduz uma
capacidade do povo da Guiné-Bissau em construir uma Nação, construir um Estado.
Agora as peripécias desse processo são
peripécias que se enquadram também em certa medida nas próprias peripécias do
continente africano.
O modelo importado de Estado Nação !
Exactamente ! Se nós tivermos que comparar
as nações africanas, os Estados africanos, com o Estado weberiano que nós
conhecemos na Europa e depois na América do Norte, particularmente, que
decorrem de um processo normal de desenvolvimento industrial, capitalista,
etc…, com todas as suas condições de concorrência, e que essas condições
tiveram que criar um Estado racional, um Estado que é objecto de toda uma série
de teorias na Europa.
Portanto um Estado que tinha pernas para
andar. Se nós tivermos feito essa comparação, compreendemos facilmente que 50
anos na vida de um Estado que foi criado por um voluntarismo nacionalista, não
por um processo consolidado de uma economia de desenvolvimento etc, não
significa grande coisa na História desse Estado.
A vitória foi a libertação do jugo
colonial: quanto ao desenvolvimento?
Exactamente ! Quanto ao desenvolvimento
não tem, não está a ter todas as condições necessárias para que pudesse fazer
uma coisa muito diferente.
É verdade que isso não pode servir de
pretexto para que nós possamos pôr de lado os erros que foram cometidos, as
dificuldades, as incapacidades que se revelaram. Não tem nada a ver. Aliás nós
estamos a ver o bloqueio que este regime está a cometer nessa senda, na
verdade, continua.
Portanto, enquanto a Guiné-Bissau estiver
na situação em que está, quem é que pode ter a vontade de investir, para haver
investidores. Será que nós temos condições para que possamos de facto chamar os
investidores para a Guiné-Bissau? Não temos.
E se os jovens, porque são a maioria da
população do seu país, já não conhecem, porventura tão bem quanto as outras
gerações, a luta de Cabral... e, porventra, já não atribuam tanta importância à
conquista de uma independência que o PAIGC levou e que conseguiu... não acha
que isso pode ser também um travão, para uma certa erosão que pode estar a
ocorrer para o eleitorado do PAIGC e uma adesão a movimentos mais jovens, mais
recentes ?
Eu vou-lhe dar um exemplo concreto. Eu
penso que esse factor nunca foi um factor prejudicial ao desenvolvimento. O que
é prejudicial ao desenvolvimento é o facto de não sermos capazes de construir
um Estado que possa ser utilizado como instrumento de desenvolvimento e que
possa constituir um motivo de orgulho para esses jovens. Porque o que é que
sustenta, em termos subjectivos, o nacionalismo nos Estados Unidos, em França,
na Alemanha?
É, digamos, a capacidade que o Estado tem
nesses países de oferecer aos cidadãos melhores condições de vida, perspectivas
de progresso, uma segurança social, uma segurança social, uma segurança na
sociedade etc… Portanto o sistema de ensino, o sistema de saúde, por aí fora. É
isso que, de facto, está por detrás sempre da solidez de um Estado.
Quando os cidadãos não têm confiança no
Estado, não podem esperar grande coisa, só têm a repressão em face, o Estado
não pode resolver os seus problemas: a pobreza está a crescer na Guiné-Bissau,
como em grande parte dos países africanos. Como é que essa gente pode
orgulhar-se de ser, de ter um passaporte guineense ou então do Mali ou do
Burkina, ou do Mali? Não podem !
Quando os jovens preferem morrer no mar
para tentar atingir a Europa, do que ficar nos próprios países, como é que nós
podemos interpretar isso? Nós interpretamos isso como sendo um falhanço desses
Estados na visão dessa gente que prefere morrer no Oceano, e na população em
geral.
É isso que faz com que eventualmente
algumas camadas sociais se possam esquecer do passado, daquilo que se fez no
passado. Agora o passado servirá, pode não servir para certas camadas sociais
que estão em dificuldades neste momento. Mas à medida que se retoma o orgulho
naquela bandeira que foi construída, graças à acção de muita gente como Amílcar
Cabral e outros... À medida que nós retomamos esse orgulho, o que é que
acontece? As pessoas têm necessidade de se lembrar.
Porque é que se estuda o Estado francês
durante a Idade Média? Porque é uma coisa palpável que está a servir as pessoas
neste momento. No dia em que não servir às pessoas, as pessoas não têm o
interesse de procurar as origens desse Estado. É o mesmo funcionamento.
O esquecimento é sempre um esquecimento
social e historicamente instituído. Depende da trajectória, depende das
dificuldades das pessoas, depende dos problemas, depende da necessidade. Porque
a memória: esquecer ou não esquecer ? É uma questão ligada ao tratamento da sua
identidade histórica, do seu percurso histórico. A memória, ela é selectiva, em
função da sua utilidade para quem se esquecer ou se lembra, ou quem se
interessa.
Portanto, no dia em que o Estado, que foi
construído graças à luta pela independência, à medida que este Estado tiver
tido mais força, mais utilidade para as pessoas, será maior o interesse dessas
pessoas, à procura daquilo que levou à construção desse Estado. ANG/RFI
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