Brasil/Investigação da Polícia Federal(PF) escancara
risco de ruptura democrática vivido pelo Brasil, avaliam historiadores
Bissau, 28 Nov 24 (ANG) - O relatório sobre a tentativa
de golpe de Estado no Brasil já está nas mãos da Procuradoria-Geral da
República que vai analisar se cabe denúncia contra 37 pessoas, entre elas o
ex-presidente Jair Bolsonaro.
A RFI conversou com três especialistas que avaliaram
como robustas as apurações da Polícia Federal, mas há não consenso sobre a
condução do julgamento.
Mesmo que o teor já fosse conhecido, as mais de 800 páginas com detalhes da
investigação da Polícia Federal sobre a tentativa de golpe são
atordoantes, pois escancaram o risco de ruptura que o país viveu, no perigoso
tripé: um presidente populista em conluio com integrantes das Forças Armadas,
tendo apoio de parte significativa dos brasileiros.
Outros episódios já
haviam provocado torpor que, pelas apurações que seguem agora para o Ministério
Público, parece que faziam de fato parte do mesmo tronco golpista, como a
invasão aos prédios públicos no 8 de janeiro de 2023 a fim de pressionar o
comando do Exército a aderir à empreitada.
Para o historiador Francisco Teixeira, da URFJ, a citação a Jair
Bolsonaro como peça-chave da suposta trama não surpreende. “Nunca foi
segredo que ele era um admirador do golpe militar de 1964, o qual defendeu
negando a existência de sequestro, tortura e mortes. O ideal de Bolsonaro
sempre foi restabelecer o regime militar. Falou-se muito tanto ele, quanto os
filhos, quanto o general Augusto Heleno, que foi ministro, inclusive em
reeditar o ato institucional número 5, que foi o elemento central da estrutura
jurídica que colocou em pé a ditadura militar”.
Para Teixeira, as ações do grupo investigado mostram o risco que o país
correu. “Se o presidente, o vice-presidente e o presidente do tribunal Superior
Eleitoral seriam mortos, sequestrados, o que poderia acontecer com os
militantes de base, com os sindicalistas, professores, com intelectuais que se
levantaram contra Bolsonaro? Nós teríamos um banho de sangue”, analisa.
Outro analista ouvido pela reportagem, o professor de filosofia Nelson
Gonçalves Gomes, da Universidade de Brasília, afirmou que as instituições do
país passaram por um teste e, em breve, vão enfrentar outro.
“A Polícia Federal fez uma
investigação que demorou cerca de dois anos e, ao que parece, essa investigação
foi bastante cuidadosa. Se ela estiver correta, houve sim uma tentativa de
golpe e as instituições do Brasil resistiram bem a esse, digamos assim, teste
de stress. E o golpe não se realizou porque figuras centrais das Forças Armadas
disseram que não apoiariam esse tipo de iniciativa”, aponta o professor de
filosofia.
Para Gonçalves Gomes, o que se espera é que o assunto seja concluído e que
os responsáveis sejam levados a julgamento. “E aí é absolutamente fundamental
que, culpados ou não, que tenham acesso a um julgamento justo. Esse é o próximo
teste de stress ao qual as instituições brasileiras estarão submetidas. E é
importante que esse julgamento seja feito por juízes imparciais. Obviamente a
questão se torna muito difícil porque no Supremo Tribunal Federal a
questão da imparcialidade se torna bastante dramática”, avalia.
Já o historiador Antônio Barbosa, da UnB, não vê problemas em Alexandre
de Moraes julgar o caso: “Eu não vejo empecilho maior nisso. Por mais que
Moraes tenha sido pretensamente alvo da ação dos golpistas, acho que ele já
demonstrou uma capacidade extraordinária e uma coragem cívica de combater esse
golpismo reacionário, esse golpismo de extrema direita no Brasil”,
defende.
O historiador da UnB
diz que as condições do golpe foram criadas ao longo dos quatro anos de mandato
de Bolsonaro: “Desde o momento em que tomou posse até o último dia do seu
governo, Jair Bolsonaro pregou o golpe. Ele dava a indicação de que na sua
cabeça o que funcionaria era um regime de força, um regime autoritário. O
trabalho de investigação da Polícia Federal desnudou tudo isso, com provas
extremamente robustas.”
“Para isso o então
presidente fez um governo que cooptou crescente número de militares,
especialmente do Exército, para estar perto dele, inclusive recebendo vantagens
pecuniárias. E estimulou os seus seguidores no Brasil inteiro a acreditar que o
poder Legislativo e, principalmente, o poder Judiciário atrapalhavam o país,
criando um caldo de cultura altamente favorável a um golpe de Estado”, afirmou
Barbosa.
As revelações tiveram
grande repercussão até porque para a Polícia Federal o ex-presidente teve
participação ativa nessa história. O deputado Coronel Chrisóstomo, do PL,
minizou as acusações, pedindo clemência: “Não existe isso em nenhuma parte desse
universo. Nenhuma nação tem condições de dar golpe com seis militares,
independente dos poderes. Vamos esquecer cores e partidos, pensar no Brasil,
nos brasileiros, nos que estão passando dificuldade, nos que estão presos sem
dever nada. Inclusive está na hora da anistia”, bradou o parlamentar do PL.
“Agora a gente está ouvindo que eles
querem anistia para pacificar o Brasil. Ora, ora, a paz que vocês querem é a
paz dos cemitérios, assassinando seus adversários políticos. Nós não podemos
admitir. É sem anistia. Essa gente tem que pagar por todos os crimes que
cometeram. Porque se tiver anistia, nós dizer ao Brasil, façam de novo. Como
foi a ditadura militar de 64”, retrucou a deputada petista Gleisi Hoffman.
Já o deputado bolsonarista Nikolas Ferreira (PL) entoou o coro repetido no
ninho bolsonorista: “ministro do STF hoje decide sobre tudo. Não
espero que vocês sejam perseguidos como estamos sendo agora nesse
momento, porque eu sou contra qualquer tirania. Enquanto isso, vocês ficam aí
dizendo golpe, golpe e não sabe nem me falar qual prova deste tal de golpe”,
acusou.
O deputado Lindbergh
Farias do PT também comentou o caso: “Esse relatório está todo com prova, muito
depoimento, muita gravação. E olha, a gente só vai ter uma democracia
verdadeira nesse país se a gente prender esses militares e se mudar a
Constituição, para afastar definitivamente os militares da vida política
nacional”, pontuou. ANG/RFI