ONU/Conselho de Segurança alerta sobre a progressão do
grupo Estado Islâmico nomeadamente em África
Bissau, 11 Ago
22 (ANG) - A ONU alertou quarta-feira numa reunião do Conselho de Segurança que
apesar de ter sofrido derrotas nomeadamente na Síria e no Iraque, o grupo
Estado Islâmico continua a representar uma ameaça à segurança global, referindo que Daesh tem vindo a progredir
nestes últimos meses em algumas regiões, nomeadamente em África.
De acordo com Vladimir Voronkov,
responsável do gabinete da ONU de luta contra o terrorismo, que apresentou no Conselho de Segurança o seu mais recente relatório sobre a questão, apesar de em Fevereiro, o até então líder da organização
Abu Ibrahim al Hashimi al Qurashi, ter sido morto na Síria, e apesar também de
vários comandantes do grupo terem sido abatidos ou capturados nestes últimos
meses, a organização tem vindo a registar progressos durante o primeiro semestre
deste ano.
Na óptica do perito da ONU, a “estrutura
descentralizada” do grupo terrorista deu-lhe a possibilidade de continuar as
suas ofensivas até mesmo em terrenos onde tem perdido força. A título de
exemplo, Vladimir Voronkov estima que 6 mil a 10 mil homens continuem
mobilizados no Iraque e na Síria.
No respeitante ao continente africano, o
relatório da ONU dá conta da sua preocupação perante as acções levadas a cabo
pelo grupo jihadista no Sahel, em vários estados costeiros do Golfo da Guiné,
no Uganda e em Moçambique.
Ainda segundo as Nações Unidas, noutro
ponto do globo, no Afeganistão, onde os Talibã retomaram o poder há um ano, o
Estado Islâmico tem vindo a ganhar influência, à medida que outra organização
terrorista poderosa na região, a Al Qaeda, tem vindo a sofrer derrotas,
nomeadamente a recente perda do seu líder, assassinado há dias em Cabul,
durante uma operação americana.
À
propósito a RFI entrevistou José Manuel
Anes, especialista em terrorismo e segurança ligado à Universidade Lusíada em
Lisboa, para quem a cooperação e a troca de informações é essencial na luta
contra o grupo Estado Islâmico.
RFI: Qual é a força que tem actualmente Daesh em comparação com Al
Qaeda no Afeganistão e Paquistão?
José Manuel Anes: Claro que o Estado Islâmico é o grande rival da Al Qaeda,
rival senão mesmo inimigo. Enquanto a Al Qaeda teve agora essa derrota com o
assassinato do seu líder Ayman Al Zawahari em Cabul, a verdade é que o Estado
Islâmico não tendo um grande líder com um nome conhecido, tem uma capacidade
operacional muito grande. Ali naquela zona do globo, no Afeganistão, no
Paquistão, o Estado Islâmico do Khorassan, demonstrou há um ano no aeroporto de
Cabul quando estavam imensas pessoas a tentar embarcar em aviões para saírem
daquele país, eles cometeram um atentado que matou várias dezenas de civis e 13
soldados norte-americanos. Portanto, o Estado Islâmico, apesar de não ter
aquela capacidade que tinha na Síria e no Iraque, ao descentralizar-se, manteve
e desenvolveu a sua capacidade operacional em várias partes do globo.
RFI: Há uns anos atrás, o grupo Estado Islâmico parecia estar
bastante activo na Europa, tendo havido uma série de ataques em várias cidades
europeias, nomeadamente em Paris. O Estado Islâmico continua activo ou há
acções mais eficazes de luta contra o terrorismo na Europa?
José Manuel Anes: As duas coisas. Continua activo, espreita
sempre oportunidades. Das últimas vezes que atacou, até foi com arma branca,
porque o transporte de armas de fogo ou de explosivos é mais problemático nesta
fase em que os serviços de informação e as polícias antiterroristas
desenvolveram uma capacidade de observação destes fenómenos, eles preferem
atacar com arma branca. Mesmo assim matam. Na catedral de Nice (no dia 29 de
Outubro de 2020), foram duas ou três pessoas que mataram. Por um lado, os
serviços de informação e a polícia antiterrorista estão a trabalhar cada vez
melhor e a permuta de informações entre os diversos países é fundamental mas
eles também não têm aquela visibilidade nem o "descaramento" que
tinham e que, por exemplo, levou ao atentado do Bataclan em Paris (13 de
Novembro de 2015). Portanto, actualmente o Estado Islâmico está mais contido,
mas não podemos deitar foguetes. Sempre que têm uma oportunidade, atacam.
RFI: No seu mais recente relatório, a ONU diz que, em compensação,
no continente africano, o Estado Islâmico tem vindo a progredir nomeadamente em
toda a zona do Sahel. A que se deve este fenómeno a seu ver?
José Manuel Anes: A verdade é que no Sahel, quem mandava lá sob
o ponto de vista do terrorismo, era a AQMI (Al Qaeda do Magrebe Islâmico) que
estava no Mali. Mas depois, o Estado Islâmico foi ganhando força
progressivamente nessa zona, em todo o Sahel, e agora também tem presença em
Moçambique. Aqueles 'Shebabs' de Moçambique não têm nada a ver com os 'Shebabs'
da Somália, esses são ligados à Al Qaeda desde sempre. Os 'Shebabs' de
Moçambique são um ramo do Estado Islâmico da África Central e que vão para sul
e têm uma presença forte, têm feito vários ataques e isto é altamente
preocupante.
RFI: Precisamente, um dos aspectos apontados nesse relatório da
ONU sobre o grupo Estado Islâmico é que deveria haver uma maior cooperação a
nível das regiões afectadas por esse fenómeno. Julga que efectivamente este
poderá ser o calcanhar de Aquiles?
José Manuel Anes: De facto, no começo das acções do grupo
Estado Islâmico em Cabo Delgado, no norte de Moçambique, a verdade que o país
teve uma certa reticência em buscar aliados. Agora, tem agora o conjunto de
países da SADC, da África do Sul, que estão a trabalhar bem e de alguma maneira
já se começam a ver alguns efeitos dessa cooperação. Tem havido alguma
reticência por parte da Tanzânia, mas o resto dos países estão a trabalhar bem,
a ajudar Moçambique nessa luta antiterrorista que é fundamental. Esperemos que
esta cooperação internacional continue porque doutra maneira não conseguimos e
corremos o risco de que o Estado Islâmico tenha ali uma zona de influência e de
acção que será depois muito mais difícil de neutralizar.
RFI: E no caso do Sahel? Há uma série de países que têm conhecido
situações de instabilidade política e tem também havido uma série de 'mexidas'
no campo da segurança, nomeadamente com a retirada da União Europeia e da
França do Mali, e vários questionamentos sobre a estratégia regional de combate
ao terrorismo.
José Manuel Anes: Pois. A atitude do governo do Mali nos
últimos tempos tem sido lamentável. Desde logo, as reticências e mesmo um
distanciamento relativamente à acção antiterrorista que a França teve durante
muitos anos com a operação Serval, com a operação Barkhane, coisas extremamente
importantes e úteis, porque se o terrorismo vingar naquela zona do Sahel, desde
o Mali, o Chade, Níger, Burkina Faso, isso vai ser um perigo depois para o
norte de África e consequentemente para a Europa. Temos que ser muito sérios e
encarar isto como uma grande ameaça. Lamento dizer que o governo do Mali tem
sido bastante reticente em relação à cooperação francesa de luta
antiterrorista, mas esperemos que eles se compenetrem de que efectivamente se
não houver um auxílio dos países ocidentais, nesse caso concreto da França,
eles vão ter problemas com Estado Islâmico e com a Al Qaeda também.
RFI: A ONU apontou como um dos factores que poderão contribuir
para o reforço do grupo Estado Islâmico, nomeadamente no continente africano,
as falhas que tem havido a nível de abastecimento de alimentos provocadas pelo
conflito na Ucrânia, que potenciariam movimentos de revolta no seio das
populações mais expostas.
José Manuel Anes: Sem dúvida nenhuma. Eles são hábeis em
aproveitar essas crises e o Estado Islâmico tem uma categoria ideológica muito
forte, mais forte do que a Al Qaeda. Mas de qualquer modo, aproveita sempre os
problemas que existem nas infra-estruturas socioeconómicas, isto é evidente.
Agora, mesmo quando o Estado Islâmico quase que desapareceu na Síria e no
Iraque, a ideologia continuava a circular na internet e a contaminar as mentes
mais frágeis. A verdade é que as infra-estruturas também colocam problemas e
isso, o Estado Islâmico é hábil em aproveitar isso. No caso de Cabo Delgado é
outro exemplo. Também aproveitam todas as carências, algumas que são provocadas
por eles, mas depois naturalmente aparecem como os salvadores. De facto, essa
crise de alimentos e todos os problemas que assolam aquelas populações, o
Estado Islâmico vem aproveitar.
RFI: Há também a questão do financiamento. Como é que até agora
não se conseguiu travar a acção desse grupo ao nível do seu 'motor'?
José Manuel Anes: O financiamento, eles conseguem através do aproveitamento de
matérias-primas locais, eles conseguem arranjar o dinheiro e há sempre alguém
dessas correntes extremistas que está pronto a dar dinheiro. Mas a verdade é
eles chegam a uma zona e começam a vender os recursos naturais e assim recolhem
financiamento para as suas operações terroristas.
RFI: De um modo global, quais seriam eventualmente as suas
recomendações?
José Manuel Anes: De um modo geral, é evidente que nós precisamos de muita
cooperação internacional a nível de antiterrorismo. Assim como há países que
não têm o mais pequeno problema em colaborar internacionalmente com países
mesmo ocidentais na luta antiterrorista, felizmente que há e em África há
bastantes, mas há também outros que têm reticências e espero que não se venham
a arrepender. Portanto, (as prioridades são) cooperação internacional e permuta
de informações entre os serviços de informação dos diversos países são
essenciais e unidades de antiterrorismo que existem em África e que têm que ter
a sua acção não entravada.
ANG/RFI
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