Guiné-Bissau - país sem crime de imprensa
Por
Salvador Gomes , da ANG
Jovem maliano tomado pelo sono |
A exigência de qualidade dos
trabalhos jornalísticos é que não se evidencia. Nem na socieade nem nas
redações. Não há instâncias de qualidade, que funcionem como tal, nos órgãos. E
os ouvintes, leitores e telespectadores não dispõem de provedores para defender
os seus interesses. Se houvesse tudo isso, muitos erros, muitas violações
seriam, certamente, evitados.
Como não errar. Como não
violar se muitos de nós se assumiram como jornalistas partidários. O respeito
aos direitos dos outros pouco interessa quando entra o interessa do partido.
Muitos profissionais fazem
inimigo colegas que criticam certas posturas contra a deontologia profissional
e mesmo os Estatututos dos jornalistas.
Queixa-se de limitações da
liberdade de imprensa e de expressão mas alguns circulos políticos são de
opinião de que a imprensa tem cometido alguns exageros. Quem tem razão
continua incógnita.
Em 35 anos de exercício
profissional, não tenho conhecimento de um caso em que um jornalista fora
condenado no país, por crime de imprensa , enquadrado na “Injúrias e difamação”(artigo
126 do Código Penal), ou na violação de segredo(Art.142 C.Penal).
Casos houve que chegaram à justiça mas não chegaram à condenação. O caso que
envolvera os jornalistas Isuf Queta e Paula Silva de Melo, e o ex-Primeiro-ministro,Caetano Ntchama, em
2000, não chegou ao pronunciamento da sentença. Segundo Paula Melo, o respectivo
processo que não chegou de ser declarado como arquivado, desapareceu.
Outros tantos processos
aguardam desenvolvimento ou arquivamento, na Procuradoria Geral da República.
São os casos dos jornalistas, Sabino
Santos, Adão Ramalho, Sumba Nansil, e Abduramane Turé. Este último tem um caso
com o ex-primeiro-ministro, Aristides Gomes.
Mas pode tudo isso sustentar
a tese de que, não se cometem na Guiné crimes de imprensa, enquadrados
na “Injúria e difamação”, podendo dar seis meses a um ano de prisão? Não há violação
dos direitos indivíduais no exercício da missão de informar? A resposta que
predomina é o não.
“Tem havido violações de
direitos humanos, de direitos individuais sim só que não tem havido queixas por
parte das vítimas, por razões diversas...dizem alguns
“Outro problema tem sido o
facto de que as necessidades das pessoas(os
direitos das pessoas) não têm sido assuntos tratados com certo destaque, para
não dizer assuntos dominantes, na comunicação social guineense. Assuntos
políticos têm dominado sempre”, dizem outros.
E justifica-se que essas
necessidades não são as mesmas conforme os casos. Os Direitos humanos(necessidade)
de um adolescente maliano, que dorme sentado no carro de mão, perto das 02H00 da tarde, digamos no seu posto de trabalho, num
domingo, não é, certamente, os mesmos que reclama um adolescente, filho de “outros pais”, que na
mesma hora, ainda estava fechado no seu quarto, a recuperar-se da noitada de
sábado.
A abordagem de assuntos
sociais pode levar a avaliação ou à críticas que podem culminar na responsabilização
civil ou criminal. Por isso evita-se.
Outro exemplo: trazer ao público, sob forma e destaque
que o assunto requer,o caso das bolanhas de Pére, no bairro de Chão de
Papel/Varela,em Bissau, distruidas pelo rio de gasóleo que saía das máquinas da Central électrica de
Bissau, pode, no mínimo, resultar numa indemnização.
Este caso põe em risco o
regulado de Ntim, concorrido em 1978 por 12 pessoas que viveram o sofrimento de conviver com a familia sem ter bolanhas para se
sustentar. A maior riqueza, a maior atração das disputas de regulado é a terra
para lavrar.
Várias famílias viram os seus direitos violados por esta situação sem que nada
aconteça, pelo menos até agora. São cerca de dezenas de famílias que dependiam, quase que exclusivamente, dessas
bolanhas para o sustento.
Dos 12 concorrentes só um
ainda está de vida, o Djeteh Albino Indi, segundo Paulo Có(Nsau), filho de
Ocante Có, um dos concorrentes de 1978, já fale
cido.
Bolanhas de Peré distruídas |
“O arroz que produziamos tinha
o gosto à gasóleo os peixes que apanhámos nas bolanhas também”, lamentou Nsau.
Na etnia Pepel, recusar
concorrer ao regulado (nega bai Tchon) dá maldição.acredita-se que pode dar a
morte. Quem serão os próximos concorrentes
? a pergunta que Nsau não sabe
responder.
Gildo Gomes e Bernardo Gomes
são as caras das reivindicações relacionadas a essas bolanhas. O caso já está
na Câmara Municipal de Bissau mas a edilidade, no lugar de indemnização , mais se interressa na venda do espaço já mapeado. Das implicações que a distruição
da bolanha vão ter junto ao regulado de Ntim, ninguém quer saber.
Nós os jornalistas, de modo
geral, não podemos gabarnos de estarmos quites perante os Direitos Humanos.Protejemos
muitas situações mas afrontamos tantas outras.
Fazemos manchetes notícias sobre
greves, greves de nove meses ou mais.
Não é feita, de forma equilibrada,a abordagem das consequências dessas greves.
Fechar escolas viola os
direitos humanos das crianças. Não pagar
salários também viola os direitos dos
trabalhadores. Põe-se o problema de saber como se situar nesse ambiente, que
eleva o dever de cuidado do jornalista.
“Nenhum cidadão pode ser prejudicado na sua vida privada, social ou
laborar em virtude do exercício legítimo
do direito à liberdade de expressão do pensamento através da Imprensa.(Art3º
nº3 Lei da Liberdade de Imprensa)”
A liberdade de imprensa(Lei
nº2/2013) pode colidir com o direito ao bom nome, à integridade moral, à
presunção de inocência até ser condenado em processo com as necessárias
garantias de defesa, estando todos esses direitos consagrados na Constituição
da República(artg 29,30 e 32).
“Acontece
que entre esses direitos não existe qualquer precedência ou hierarquia, o que
quer dizer que todos eles têm igual valência, quando abstractamente
considerados”(Juiiz-Conselheiro Pedro Figueiredo Marçal, in Comunicação
Social e Direitos Individuais, seminário, junho 1993, da Alta autoridade para a
Comunicação Social).
Sendo este um princípio
unanimente aceite , a primazia do direito à informar ou a de algum dos outros
Direitos constitucionais que ele ponha em causa, diz Figueiredo Marçal, terá de resultar duma equilibrada avaliação das circunstâncias
de cada situação.
Paralelamente a essas
limitações externas, reclamadas pelo respeito devido a outros valores, a
liberdade de imprensa está sujeita a exigência de seriedade e autenticidade,
pois o direito de informar só existe e se justifica, com vista informar bem.
Informar inverdades, em
consciência, não tem proteção da
Liberdade de imprensa.
“Faltando essas
cautelas estará a Comunicação Social a
contribuir-se para que a opinião pública
faça, das pessoas e dos seus actos, um defeituoso julgamento capaz de originar
prejuízos por ventura irreparáveis”(In CS e DH, Pedro F.Marçal....)
“A liberdade de
informação(Mac Bride Relatório à UNESCO, 1980), é , antes de mais, o direito
que todos os membros da comunidade têm de estar ao corrente dos acontecimentos
susceptíveis de interessar a sua existência, de orientar as suas reflexões, de
influenciar as suas escolhas(...) Desta liberdade deriva a liberdade que o informador tem de aceder ao
conhecimento dos factos e dos documentos, ultrapassando o segredo por detrás do
qual se intrincheiram as questões
públicas e a liberdade de divulgar aquilo de que teve conhecimento”.
Diz Mac Bride que, para ser
efectivo, este direito requer que o jornalista goze da liberdade de procurar as
informações e de não se contentar somente com as que recebe. E mais: o
jornalista deve beneficiar da liberdade de divulgar estas informações,
devidamente tratadas para que sejam úteis à compreensão do mundo.
Até entre nós se cometem
violações: numa cerimónia de apresentação pública do novo sindicato dos
trabalhadores de órgãos públicos, um Director-geral interveio a exaltar a
necessidade de se concluir o processo de efectivação dos “estagiários”, com o
argumenração de que estes constituem a maioria dos que labutam nas redações dos órgãos públicos.
“Nessa situação, se um
dia pretenderem boicotar, estamos boisotados...) dizia esse
DG.
A noite, na emissão
televisiva o jornalista repórter nada mais fez que dizer:
O jornalista veterrano
defendeu o boicote... ao referir-se às declarações desse DG.
Como é que um DG, que tem
obrigação de zelar para o funcionamento contínuo do órgão, e que tem
demonstrado que o órgão que dirige se afigura como o mais dependente desses “estágiáriso, pode
defender o “boicote”.
Foi ou não atingida a honra
, a imagem desse DG?
Confrontado com a falha, o jornalista limitou-se a dizer: “escrevi o que
foi dito”.
Não há liberdade de imprensa
sem liberdade de opinião
“Todo o indivíduo tem
direito à liberdade de opinião e de
expressão. Este direito inclui o de não ser importunado por causa das suas
ideiais; o de procurar, receber e difundir, sem limitação de fronteiras,
informações e ideias por qualquer modo de expressão”(Artg 19º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, 10 de Dezembro 1948)
A expressão é que torna uma
pessoa inserida na sociedade.Na Guiné-Bissau, diz o Advogado, Fodé Adulai Sanhá, a liberdade de opinião ainda é limitada.
Muitas opiniões são censuradas, sobretudo nos órgãos de comunicação social
públicos. Muitas das vezes são os próprios jornalistas que fazem a auto-censura.
Dia após dia surgem denúncias
inclusive de dirigentes políticos de ameaças de morte, por criticas ou declarações
prestadas através de órgãos de Comunicação social . Opiniões contrárias são “crimes”
em certos círculos socio-políticas.
O caso mais recente se
relaciona à um dirigente político, deputado e membro da Comissão Especializada
para a Defesa e Segurança, da Assembleia Nacional Popular.
Não tem havido reação da
imprensa no sentido de se esclarecer que o Deputado tem direito de opinar e de
prestar declarações de interesse geral, que podem ser úteis a sociedade. Isso
corresponde dizer que, em certa medida,
a Comunicação social fez e tem feito “vista
grossa” à várias situações de ilicitudes, de violações dos direitos das
pessoas.
Num dos órgãos de
comunicação Social público, em tempos atrás, chegou-se ao ponto de alguns jornalistas
, numa clara afronta à Direção do órgão que nada mais fazia que previlegiar assuntos
sobre actividade política do seu partido, decidirem, a revelia da direção de
informação, criar um órgão paralelo que
decida sobre os contúdos a serem difundidos com vista a estabelecer o
equilíbrio necessário nos blocos informativos.
Tanta vingança de sensura
que acabou por ser demais,à vista de alguns profissionais, com o perigo de pôr
em causa o orgão e os que lá exercem a
profissão.
O mais caricato, diz Mané, é a actitude de
jornalistas que atacam opiniões de
outros jornalisas, em defesa clara de posições partidárias. Uma atitude que diz
ser violadora dos Direitos Humanos... a liberdade de opinião. “Não há liberdade
de imprensa sem liberdade de opinião”.
Este Doutrado em
Antropoligia Juridica aponta outras formas
de censura, que representam outras
formas de violação dos Direitos humanos:” criar condições para alguns órgãos funcionar e deixar outros à sua sorte”.
“No quadro de serviço público que todos
prestam o Estado deve criar condições para que todos os órgãos funcionassem,
tanto público como privado”, diz Fodé Mané.
É mundial a preocupação de proteger o Direito
à informação livre.No que se refere a textos internacionais, nem todos têm o mesmo caracter obrigatório.
Por exemplo: “A Carta Africana(CA) não afirma
expressamente o direito de se informar.”(André Linard In Direito ,
deontologia e ética dos médias). Este documento(CA) é tido como o mais impreciso. Bernardo Gomes
Existem entretanto outras
declarações internacionais que enunciam princípios mas sem ter força jurídica.
A Declaração de Windhoek,
referente ao desenvolvimento de uma imprensa africana independente e
pluralista, adoptada em 1991, por iniciativa da UNESCO constitiu, entretanto,
uma espécie de rectificativo dos riscos da Nova Ordem Mundial da Informação e
da comunicação(NOMIC). Esta declaração, segundo Linard, limita-se a afirmar
princípios de proibição de censura.
Cada estado é soberano no
que diz respeito a legislação sobre a imprensa sob condição de não contradizer o Direito Internacional. Não é o que,
no entanto, tem acontecido.
“A legislação de muitos
Estados tem sirvido para limitar a liberdade de trabalho dos jornalistas sob
pretexto da soberania nacional, da defesa da ordem pública etc”.(André
Linard.......)
No caso guineense, importa
referir que o(CNCS)- Conselho Nacional de Comunicação Social,(Lei nº8/2013),
órgão ao qual foi dada a competência de assegurar o exercício do direito de
informação e liberdade de imprensa bate-se agora para se dispor do “poder
sansanatório”.
“Este instrumento jurídico
foi elaborado no periodo de transição. Precisa de actualização. Tem
limitações”, diz Fodé Mané.
O CNCS foi limitado a
emissão de directivas genéricas para a realização das suas atribuições, fazer recomendações...
apreciar comportamentos susceptíveis de configurar violação das normas legais
aplicáveis aos órgãos de comunicação social....(artigo 4º i).
Tem estado a avaliar as coberturas eleitorais feitas pelos órgãos de comunicação social e, em alguns
momentos, emitiu pareceres críticos que
consubstanciam violações de direitos humanos.ANG//SG
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