África do Sul/”Bloco dos BRICS “vai ser uma alternativa ao G7”, diz analista
Bissau, 24 Ago 23 (ANG) - A cimeira dos BRICS
(Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), iniciada na terça-feira,
termina esta quinta-feira em Joanesburgo.
O
bloco, que até agora representa mais de 42% da população mundial e 23% do PIB
do planeta, vai contar com seis novos membros a partir de 1 de Janeiro: o Irão,
a Arábia Saudita, a Argentina, o Egipto, a Etiópia e os Emirados Árabes Unidos.
O grupo “vai ser uma alternativa ao G7”, diz
José Gama, analista político angolano radicado na África do Sul.
RFI: Cerca de 40 países tinham manifestado interesse em aderir aos
BRICS. Agora há a confirmação do alargamento a mais seis, nomeadamente a Arábia
Saudita que é o maior produtor de petróleo do mundo e o Irão que tem um quarto
das reservas de petróleo do Médio Oriente. Até que ponto estas entradas vão
abalar a ordem geopolítica e económica mundial?
José Gama, Analista político: Ela já altera
praticamente a ordem mundial porque estamos a falar de países cuja combinação
alcança cerca de 41% do PIB do globo. Embora o Presidente Lula [da Silva] tenha
dito recentemente que o objectivo não é concorrer com o G7, na prática, estamos
a ver aqui que se está a ir buscar uma alternativa e a distanciarem-se também
daquela influência americana e também da velha Europa.
Tendo em conta que se avançou com o Novo Banco para o
Desenvolvimento que é um banco que vai ajudar os países emergentes, sem
necessariamente fazer ou impor questões políticas e outras burocracias, eu
penso que este projecto vai conseguir atrair e alterar mesmo a geopolítica do
globo e também exercer uma certa influência, sobretudo, aqui na parte do
hemisfério Sul que é onde esses países todos, os cabeças, fazem parte.
Nesta questão de uma alternativa ao Ocidente, a Arábia Saudita é
aliada dos Estados Unidos, ao contrário do Irão. Como é que avalia, por
exemplo, a entrada destes dois países?
Sim, mas a Arábia Saudita vai acabar por ter uma certa
visibilidade porque é o maior produtor de petróleo do mundo e estar num espaço
privilegiado como este, o dos BRICS que, no fundo, vai ser uma alternativa ao
G7, vai ser também uma alternativa económica face ao Conselho de Segurança das
Nações Unidas em que o número é restrito. Então, esses países vão acabar por
ter ali um aliado junto aos BRICS que se vai tornar numa alternativa ou
alternância.
Os BRICS têm uma norma, também, em termos de solidariedade e, com
isto, quando estiverem também presentes nas Nações Unidas, em certas discussões
vão passar a ter a solidariedade dos Estados-membros dos BRICS. Eu penso que é
por aí também que a Arábia Saudita tem o interesse de estar neste mecanismo e é
uma forma também de distanciarem-se daquelas burocracias e imposições
norte-americanas. Aqui também se está a discutir a possibilidade de haver uma
moeda única, o que não vai acontecer para já, mas eles já estão a avançar com a
possibilidade de começarem a fazer as transacções em três moedas: da China, da
África do Sul e do Brasil.
Essa questão da “desdolarização”, ou seja, da emancipação
progressiva do peso da moeda americana ou da criação de uma nova moeda não pode
constituir também um perigo para os Estados mais frágeis economicamente? Há
vantagens mas também algumas armadilhas?
Bom, isso vai ser uma forma de valorizar as suas moedas. Eu penso
que, neste caso, a moeda chinesa está em melhor posição para ser mais
valorizada, é uma moeda também estável, não tem estado a sofrer assim abalos.
Isto é uma luta, no fundo, com duas moedas internacionais que são o dólar e o
euro. Eles nem sequer estão a pôr em causa o euro, mas estão a excluí-lo
praticamente. Portanto, é um combate anunciado ao dólar, a tal desdolarização
da moeda americana nos mercados internacionais. É um distanciamento que
procuram fazer do FMI e do Banco Mundial, é uma nova afirmação mundial na
vertente económica.
Essa afirmação passa, como disse, pelo Novo Banco de
Desenvolvimento que já tinha sido criado em 2015 pelos BRICS para ser
justamente essa alternativa ao Banco Mundial e ao FMI. Mas, este “banco dos
BRICS” não está agora a ser penalizado pelas sanções contra a Rússia? O Novo
Banco de Desenvolvimento cumpriu a ambição? E vai ao encontro, por exemplo, das
ambições de países como a Argentina que tem uma dívida colossal com o FMI? Pode
ser, de facto, uma alternativa?
Pode ser, mas agora a questão é que estas medidas tomadas
acontecem numa altura em que um Estado-membro dos BRICS que é a Rússia está a
sofrer sanções económicas. Os BRICS aqui não conseguem fazer nada, mas já deram
um passo que é a exclusão do rublo russo. Eles não estão a anunciar que as
transacções podem ser feitas nesse sentido na moeda russa, penso que estão a
procurar evitar a Rússia. E a própria Rússia também procura cooperar e não
trazer constrangimentos aos seus parceiros. Basta ver que ela fez-se presente
pelo ministro dos Negócios Estrangeiros. Vladimir Putin evitou ir à África do
Sul.
Também não podia ir porque há um mandado de detenção internacional
contra ele, não é?
Sim, mas ele poderia ter ido à revelia e aquilo seria criar um
constrangimento enorme para a África do Sul porque a África do Sul já teve um
problema no passado com o antigo Presidente Bashir, do Sudão, e não iria querer
repetir porque aquilo iria afectar o prestígio também do país. Vamos aqui
admitir que desde que começou esse conflito russo-ucraniano, o Presidente Putin
não se tem estado a ausentar para fora da Europa e é uma questão compreensível,
não é? Ele está num quadro de fragilidade, a sua liderança sofreu algumas
ameaças. Portanto, o rublo russo não tem estado a ser invocado para as
transacções até agora porque está-se a observar as sanções internacionais.
A Rússia precisa de trazer para o “clube dos cinco” os seus
aliados, a China também é a favor da expansão apesar de a Índia ver com
desconfiança as intenções da China. O Brasil e a África do Sul não querem
perder influência no bloco. Quantos mais países estiverem a bordo, maior não
será a turbulência? Os próprios equilíbrios geopolíticos dentro do bloco não
serão abalados?
Não porque estamos diante das maiores economias do mundo: a China,
a Índia, o Brasil que é uma das maiores economias no sul da América. Portanto,
mesmo entre novos parceiros, estas maiores economias é que vão sempre
mandar.Depois, são elas que vão ter também o controlo do Novo Banco de
Desenvolvimento, que tem a ex-presidente brasileira Dilma Rousseff pela frente,
e a primeira fase vai ser uma fase de readaptação com os novos membros que vão
entrar. Então, ainda vão ser os Estados-membros fundadores a ter uma forte
influência nesta estrutura que são os BRICS.
Os BRICS dizem querer um mundo mais igualitário, equilibrado,
inclusivo, ou seja, o chamado “multilateralismo inclusivo”. Isto é mesmo assim
ou é exactamente o oposto, ou seja, recriar um mundo bipolar em que se endurece
o braço-de-ferro com os Estados Unidos e a União Europeia?
Na fase inicial, eles tinham três objectivos a alcançar que eram discutir a expansão do bloco, a discussão sobre o uso de uma moeda única local e a reforma do sistema de governação internacional, tal como o Conselho de Segurança das Nações Unidas. É justamente neste ponto que, no fundo, se querem impor, não necessariamente criar um sistema bipolar, mas, na prática, numa fase inicial vai ser assim. Vai ser uma estrutura paralela àquela que é a influência do G7 que também congrega as maiores economias da Europa e que muito influencia o mundo. Também vão querer aqui uma estrutura paralela ao Conselho de Segurança porque muitos destes países entendem que o Conselho de Segurança das Nações Unidas tem sido inoperante em muitas questões e muito dependente também das grandes decisões dos Estados Unidos. Agora, com os BRICS, querendo ou não, eles vão criar uma alternativa e uma estrutura paralela e aí podemos concordar que vamos ter doravante um mundo bipolar.ANG/RFI
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