Simões Pereira condena intenção do governo
Bissau, 27 Jun 17 (ANG)
- O líder do PAICG, Domingos Simões Pereira, lamentou domingo a decisão do
Governo guineense de cortar as emissões da RTP e RDP no país, que considerou
"uma demonstração clara do regime" que escolhe "silenciar os
cidadãos".
"Temos pelo menos de assumir a ambição de sermos melhores do que aqueles
que escolhem o caminho da censura e do silêncio, que, dizendo-se autoridades,
invadem a privacidade alheia e disso se regozijam. Agora preparam-se, por
exemplo, para cortar emissões da RDP e RTP porque algumas vozes aí difundidas
não lhes são simpáticas. Para esses o caminho é sempre silenciar o povo",
afirmou o antigo primeiro-ministro.
Domingos Simões Pereira falava na cerimónia de posse como académico
correspondente da Academia Internacional de Cultura Portuguesa, que decorreu domingo
ao final da tarde, perante dezenas de convidados, que não couberam no auditório
Adriano Moreira, na Sociedade de Geografia de Lisboa.
Em declarações aos jornalistas no final,
o responsável do maior partido guineense afirmou que a decisão do Governo é
"uma demonstração clara daquilo que é o regime implantado no país e que
escolhe como caminho para sustentar esse regime o silêncio e a privação da voz
dos cidadãos".
Simões Pereira recordou que, enquanto primeiro-ministro da Guiné-Bissau, ouviu,
em várias circunstâncias, "cidadãos guineenses que ligavam e que
expressavam o seu desconforto, inconformismo, reacção".
"Isso é um barómetro. Quem governa tem que ouvir vozes que discordam
daquilo que nós fazemos. E quando nós escolhemos silenciar quem não está de acordo
connosco, não estamos a representar a vontade popular", afirmou Simões
Pereira, que tinha na lapela o símbolo da Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa (CPLP), de que foi secretário-executivo.
Numa carta dirigida ao ministro da Cultura português - que tutela a RTP -, o
ministro da Comunicação Social guineense, Victor Gomes Pereira, propõe "a
suspensão de todas as actividades da RDP-África e RTP-África a partir do dia 30
de Junho, a fim de proporcionar que medidas tendentes ao reatamento da cooperação,
neste âmbito, caso ainda haja interesse e utilidade, sejam tomadas pelas
autoridades portuguesas".
No seu discurso, o político guineense deixou um apelo à luta.
"Quem não se revê nessa postura, quem acredita naquela Guiné prometida e
positiva, tem de se cultivar, assumir um compromisso consigo próprio e celebrar
cada vitória do seu irmão, do seu companheiro ou do seu camarada, para juntos
recolocarmos a nossa auto-estima e reconhecimento aonde já deveria estar ou de
onde nunca deveria ter saído", disse.
Simões Pereira comentou que, quando surgiram problemas na Guiné-Bissau, pareceu
que "tudo ruiu de vez e ficou difícil de encontrar pontas por onde
reiniciar o rendilhado".
"Já não nos serve a simples constatação do que está mal. É mais que
evidente que os anos que duraram o nosso coma colectivo produziram forças que
tentam a todos o custo sequestrar e ter o controlo absoluto da sociedade e tudo
farão para manter esse poder, senão mesmo para desenvolver outras
amarras", considerou.
"Precisamos de despertar enquanto povo e de nos mobilizarmos para a luta,
sem nunca esquecer que o fazemos não para substituí-los no poder mas pelo nosso
apego à liberdade", sustentou.
Uma luta que "tem de ser geral e absoluta", avisou.
"Irá exigir de todos, de quem está na terra, de nós, políticos, da
sociedade civil, do cidadão exigente e inconformado, mas também dos que estão
fora, para juntos, questionarmos a nossa pertença a este esforço colectivo e
darmos algum sentido e razão à nossa existência", defendeu.
Na sua intervenção, sobre "A liberdade como elemento de cultura - reflectindo
a Guiné-Bissau", o novo elemento da Academia apresentou-se: "Tenho
nome português, mas foi-me ensinado de seguida que não devia ter orgulho
nisso".
"Mantenho as muitas coisas que sou de uma só vez: português de nome,
africano de raça e terra e de cultura. Que venho eu aqui fazer? Eu pertenço aos
comuns mortais, falo de Ronaldo e Messi, gosto de sardinha e cerveja e também
das iguarias da terra", comentou.
Afirmou-se como membro de uma geração de africanos que vive "uma
encruzilhada, entre a afirmação identitária e os processos que os
acompanham".
"Reclamamos sem reservas o orgulho que os nossos pais não puderam ter de
ser, de se dizer ou mesmo de sentir pertença" a África, continuou.
"Somos africanos, mas isso não tem nada a ver com andar descalço, comer
com as mãos ou acreditar em rituais de maldição e cura", declarou,
recebendo fortes aplausos do auditório.
ANG/Lusa
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