Espanha/Impasse sobre funeral de José
Eduardo dos Santos entre família e poder angolano
Bissau, 13 Jul
22 (ANG) - O Governo angolano e os filhos mais velhos de José Eduardo dos
Santos não conseguiram chegar a um acordo durante as suas discussões no passado
fim-de-semana sobre a trasladação para Luanda do corpo do antigo Presidente.
José Eduardo dos
Sandos faleceu na passada sexta-feira,8
de Julho aos 79 anos, após duas semanas de internamento numa unidade de
cuidados intensivos de uma clínica de Barcelona, em Espanha, onde residia desde
2019.
Perante o desacordo consumado, segundo uma
fonte próxima do processo, está afastada a hipótese de novas negociações. Esta
mesma fonte avança que o governo angolano que pretende realizar um funeral de
Estado em Angola, contratou uma equipa de advogados para apoiar o processo
judicial da viúva do antigo Presidente, Ana Paula dos Santos, no pedido em
tribunal da guarda do corpo de José Eduardo dos Santos, face aos filhos mais
velhos do antigo dirigente, designadamente Tchizé dos Santos, que por seu lado
alegam que o pai não pretendia ser enterrado no seu país.
Isto acontece no momento em que fontes
judiciais acabam de informar hoje que a justiça espanhola deveria ainda esta
semana tomar uma decisão sobre a entrega do corpo de José Eduardo dos Santos.
Segundo estas fontes, já foram comunicados à família de José Eduardo dos Santos
os resultados da autópsia efectuada no passado fim-de-semana ao corpo do antigo
Presidente e em função desses dados, a justiça espanhola deveria decidir se são
necessárias mais investigações.
De acordo com os órgãos angolanos 'TV
Zimbo' e 'Jornal de Angola', Hélder Pitta Grós, Procurador-Geral da República
de Angola que integra a delegação angolana que se deslocou a Barcelona para
tentar negociar com a família do antigo Presidente os termos do seu funeral,
referiu que a autópsia confirma a ausência de indícios de envenenamento de José
Eduardo dos Santos, contrariando acusações formuladas neste sentido.
Apesar disso, Tchizé dos Santos que é quem
mais se expressou publicamente contra a trasladação do corpo do pai para
Angola, tornou a vincar nesta segunda-feira numa entrevista concedida à 'CNN
Portugal' que "não vai vender o corpo do pai para lado
nenhum” e informou que apresentou, em nome próprio uma queixa por
tentativa de homicídio do pai, Tchizé dos Santos suspeitando em particular
elementos da equipa médica e de segurança do antigo Presidente, assim como da
esposa do pai, Ana Paula dos Santos, de serem "infiltrados" do actual
poder de Angola com quem está há largos anos em contencioso judicial.
Sobre o imbróglio existente entre os filhos mais velhos do antigo
Presidente angolano e o actual poder em Luanda, a RFI ouviu Ana Paula Godinho,
professora de Direito Civil na Universidade Agostinho Neto, a professora
universitária referindo que de acordo com a lei angolana é a família que tem a
prerrogativa de decidir todos os pormenores do funeral.
"A
nossa lei, nos casos em que uma pessoa morre, determina que é a sua família que
deve cuidar de todos os pormenores relativamente ao funeral e ao velório. Neste
caso, não temos a mais pequena dúvida de que é à família que incumbe
efectivamente fazê-lo. Mas estamos diante de um caso especial que ultrapassa o
foro pessoal e foro familiar na medida em que José Eduardo dos Santos foi, é e
será sempre uma figura incontornável do panorama político angolano. A questão
deixou de ser uma questão de foro pessoal para passar a ser uma questão de foro
político", considera a professora de
direito civil.
Nesta senda, ao defender ontem a possibilidade de o antigo
Presidente ser enterrado em Angola, o vice-procurador-geral da República, Mota
Liz, garantiu que as filhas do antigo Presidente (Isabel dos Santos e Tchizé
dos Santos) que estão em contencioso judicial com o Estado angolano não seriam
presas no caso de o funeral decorrer em Angola e argumentou que o antigo chefe
de Estado também "é património da Nação". Contudo,
sublinha por sua vez Ana Paula Godinho, "não existe nenhuma figura jurídica
que conceda ao antigo Presidente da República o estatuto de património do
país."
Todavia, ao referir "também partilhar da ideia de que ele de facto
deva ser sepultado em Angola ainda que para isso seja necessário haver
concessões de ambas as partes que neste momento se encontram em conflito", a professora universitária considera
que "temos de ser
sensatos de modo a que ultrapassemos esta quezília para que os angolanos
possam, alguns deles, pedir perdão porque efectivamente já houve vozes que
apareceram a dizer que deveriam um pedido de perdão e, no fundo, todo este
movimento no sentido que ele seja enterrado em Angola soa como um pedido de
perdão ainda que seja tardio".
As modalidades das homenagens fúnebres de José Eduardo dos Santos
foram objecto de tentativas de negociações durante o passado fim-de-semana
entre a família e o governo angolano que pretendia realizar um funeral de
Estado, mas as divergências entre as partes impediram qualquer tipo de acordo.
Os filhos mais velhos do antigo chefe de Estado, nomeadamente Tchizé dos
Santos, acusam o poder angolano de pretender fazer um aproveitamento político
desse acontecimento, pouco antes de o país realizar eleições gerais no próximo
dia 24 de Agosto.
Numa altura em que continuam a afluir reacções à morte do antigo Presidente, nomeadamente com os Estados Unidos a apresentar esta terça-feira os seus pêsames ao país, a assinatura dos livros de condolências foi aberta segunda-feira nas 18 províncias de Angola aos populares que pretendam prestar homenagem à figura que liderou o destino de Angola durante 38 anos, entre 1979 e 2017. ANG/RFI
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