Covid-19/ Especialista
alerta para “grande risco” de aumento de mortes por outras doenças em África
Bissau,
21 mai 20 (ANG) – O director do Instituto de Higiene e
Medicina Tropical (IHMT), Filomeno Fortes, alertou hoje para o “grande risco”
de aumento de mortes por doenças não covid-19 em África potenciado pela
concentração de esforços no combate à pandemia.
“Temos
o impacto directo da pandemia neste momento e vamos ter um impacto indirecto a
médio e longo prazo com grandes repercussões” na mortalidade associada a várias
outras doenças, disse Filomeno Fortes, em entrevista à agência Lusa.
Em
causa, estão, segundo o médico angolano, as designadas “doenças não-covid-19”,
que incluem doenças transmissíveis endémicas (malária HIV/Sida e Tuberculose),
doenças tropicais negligenciadas e transmitidas por mosquitos (dengue,
chicungunya, febre-amarela e zika) e doenças crónicas não transmissíveis
(hipertensão, diabetes e cancros do colo do útero, mama e próstata).
“Preocupa-nos
que os doentes deixem de ter seguimento, diagnóstico e tratamento. O risco de a
mortalidade aumentar por causa dessa situação é grande”, disse.
Filomeno
Fortes equacionou ainda a possibilidade do aumento da transmissão da
leptospirose, doença transmitida pelos ratos.
“Quando
há fome no continente africano, uma das tendências é a população começar a
alimentar-se de ratos, que além da leptospirose podem transmitir um elevado
número de outras doenças”, adiantou.
O
director do IHMT apontou ainda como outro eventual efeito colateral, a redução
da cobertura de vacinas motivada, por um lado, pela diminuída resposta dos
serviços de saúde, e por outro, pela retracção da população em ir às consultas
de seguimento de grávidas e crianças.
“Então,
vamos criando aqui uma população susceptível a doenças como a poliomielite, o
sarampo ou a febre-amarela. É um risco a médio prazo”, disse.
Filomeno
Fortes, que falava à agência Lusa sobre a evolução da pandemia de covid-19 no
continente africano, considerou que os dados apontam para uma “situação não tão
severa” nos países africanos quando comparada com os outros continentes.
África
regista mais de 95 mil casos de infecção pelo novo coronavírus e perto de três
mil mortes por covid-19 em 54 países, o que representa cerca de 2% de todos os
casos registados globalmente e uma taxa de letalidade próxima dos 4%,
comparativamente com a taxa média mundial, que é de 7%.
“Em
relação aos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) a situação é
ainda menos gravosa”, disse, manifestado “preocupação” com a Guiné-Bissau, que
já ultrapassou os mil casos (1.089) casos de covid-19, incluindo seis mortes, e
com São Tomé e Príncipe, que tem 258 casos e regista 11 óbitos.
“Em São
Tomé e Príncipe, as condições de assistência médica são muito débeis, além de
que só agora é que vai ser instalado o aparelho de diagnóstico da doença”,
disse, numa alusão à chegada ao arquipélago, na semana passada, de um laboratório
para testes enviado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Apesar
dos números relativamente optimistas, o especialista em saúde pública não
descarta “o risco de África poder ser assolada por uma vaga de infecções com
consequências imprevisíveis”.
“Continuamos
sem ter a certeza se as nossas capacidades de diagnóstico e de vigilância
epidemiológica estão a dar conta da informação estatística real no terreno.
Podemos colocar a possibilidade de haver alguma desinformação devido à
indisponibilidade dos testes de diagnóstico e até da fragilidade dos próprios
sistemas de saúde”, admitiu Filomeno Fortes.
O
director do IHMT adiantou, por outro lado, que existem em África factores que,
“até prova em contrário”, parecem contribuir para uma menor gravidade da doença.
“A
densidade populacional no continente africano é muito baixa, a idade da
população [maioritariamente jovem] pode dar muitas infecções assintomáticas e
pouco visíveis e a temperatura, que continua a ser um factor preponderante e
cada vez mais provado a nível dos estudos feitos”, disse.
A isto
somam-se as medidas de contingência tomadas “em tempo útil” pela maior parte
dos países.
“África
tem um passado histórico de luta contra epidemias e a população está mais ou
menos habituada a este tipo de pressão”, disse Filomeno Fortes.
Ainda
assim, reconhece que devido ao impacto socioeconómico dessas medidas, a
tendência da população é respeitar cada vez menos as imposições de confinamento
e distanciamento.
“A
população prioriza normalmente a questão alimentar. Por exemplo, quando
distribuímos redes mosquiteiras para conter as picadas [de mosquitos] da
malária, as redes eram desviadas para a pesca”, recordou.
Por
isso, defende, “os governos têm de continuar a fazer um esforço na melhoria da
resposta epidemiológica e na criação de condições assistenciais” aos doentes e
populações em geral.
Em todo
o mundo, há mais de cinco milhões de casos da covid-19 e 328 mil mortos.
ANG/Inforpress/Lusa
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