terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Cabo Verde/Ex-Presidente Pedro Pires  diz que replicar modelo europeu na UA não foi melhor opção

Bissau, 15 Fev 22 (ANG) - O antigo Presidente cabo-verdiano Pedro Pires, que há 20 anos esteve na criação da União Africana, admite que replicar o modelo organizacional da União Europeia (UE) não terá sido a melhor solução e pede independência financeira da organização africana.

"Entendo que se deve, até com abertura de espírito, analisar esse percurso e ver as dificuldades encontradas. O primeiro reparo que eu faço é o modelo escolhido. Se não se teria avançado demais ao escolher um modelo que é mais ou menos semelhante ao da União Europeia", disse, em entrevista à Lusa, Pedro Pires, Presidente da República de Cabo Verde de 2001 a 2011.

"Talvez se tivesse de encontrar um outro, menos perfeito, se podemos dizer assim, menos integrado, qualquer coisa a se construir e não qualquer coisa já definida", afirmou o antigo chefe de Estado, de 87 anos.

Enquanto Presidente de Cabo Verde, Pedro Pires foi um dos signatários da constituição da União Africana (UA), que reúne 55 Estados africanos. A organização continental realizou a sua primeira cimeira em Durban, na África do Sul, em Julho de 2002, substituindo-se à Organização da Unidade Africana (OUA), fundada em 25 de Maio de 1963.

Na entrevista à Lusa, na Praia, o antigo chefe de Estado questiona o sucesso do modelo adoptado pela UA, ao replicar as mesmas instituições e comissários da UE: "A pergunta é se estamos em condições de trabalhar com esse modelo institucional".

"E uma coisa que ela tem de fazer é defender os interesses de todos e não defender o interesse de um grupo. Que permita à União influenciar a solução dos problemas sérios que temos neste momento, por exemplo na zona do Sahel, à volta dos golpes de Estado. Eu penso que a União está bem situada para influenciar as soluções ou as melhores soluções", acrescentou Pedro Pires.

Nos 20 anos da União Africana, admite que "um dos pontos fracos" é a sua "debilidade financeira", e defende que se devia "autonomizar financeiramente".

"Porque quando você é financiado, o seu financiador é que diz o que você deve fazer. Portanto, você deve ter autonomia financeira para decidir que política, por exemplo em matéria de defesa ou que política em matéria económico-financeira ou outra. Ou agrícola, por exemplo, que é um sector extremamente importante com potencialidades para o futuro", apontou.

Reconheceu o "esforço" das lideranças africanas à volta da organização, mas admite que ainda é um "processo longo" e prefere não falar em apontar falhas no percurso da UA: "O que estou a ver aqui é um processo extremamente complexo como o que está a exigir dos líderes africanos muito trabalho, muito realismo e também muita perseverança".

Acrescentou, ainda assim, que não está em causa a importância da UA no continente, por ser "uma instituição necessária e útil", mas usa o exemplo da próxima cimeira Europa/África, este mês, para apontar a necessidade de "defesa dos interesses do continente na sua globalidade".

"Seríamos mais fortes se negociássemos sempre em bloco", afirmou, insistindo que são "reflexões" de quem está "fora da política".

"Mas de toda a maneira eu defendo a ideia de que é importante a União Africana (...). O desafio é organizá-la, pô-la a funcionar ao serviço dos países e da África. Portanto, a minha conclusão é que ela é útil e necessária e há que procurar a forma de tirar o maior proveito disso", sublinhou.

Defendeu ainda que é necessário haver "articulação" entre a União Africana, enquanto órgão continental, e as comunidades económicas regionais, para "evitar conflitos de competências", pedindo por isso um "sentido cooperativo" e "não concorrencial", para a solução dos problemas do continente e da sua diversidade.

Lidar com os conflitos é outra dificuldade que Pedro Pires vê nestes 20 anos de actividade da União Africana.

"Um elemento que veio mexer com tudo foi a invasão da Líbia e a forma como esse conflito dos líbios com os ocidentais foi resolvido e hoje estamos a sofrer as consequências desse ato que não tem nada de africano. É um ato vindo do exterior. É dessa forma que eu penso que devemos analisar as dificuldades, os bloqueios e os constrangimentos", concluiu.ANG/Angop

 

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