quinta-feira, 8 de maio de 2014

Internacional



A pilhagem de madeira e recursos piscatórios está a travar o progresso de África - Kofi Annan

ABUJA, Nigéria,  8 Mai 14 (ANG)  -- O Relatório do Progresso de África deste ano apela aos líderes africanos para que combatam a desigualdade e exige que a comunidade global tome medidas contra a pilhagem dos recursos naturais do continente.

"Os recursos naturais de África oferecem uma oportunidade única de melhoria substancial das vidas dos cidadãos africanos", revela o novo relatório lançado hoje por Kofi Annan, ex-Secretário-Geral das Nações Unidas,  que acrescente que os referidos recursos são frequentemente pilhados por responsáveis oficiais e investidores estrangeiros corruptos.

A crescente desigualdade está também a impedir que África tire proveito dessa oportunidade, refere o relatório.
  
O relatório do África Progress Panel de 2014 sob o título “Cereais, Peixe, Dinheiro: Financiar as revoluções verde e azul de África”, apela aos líderes políticos africanos para que tomem medidas concretas agora a fim de reduzir a desigualdade através do investimento na agricultura.  

O Documento exige também a tomada de medidas internacionais que ponham cobro ao que descreve como a pilhagem de madeira e recursos piscatórios de África.

“Depois de mais de uma década de crescimento, há muito a celebrar”, irá declarar Kofi Annan aos líderes políticos e empresariais quando o relatório for lançado no Fórum Económico Mundial para África a ter lugar este mês na Nigéria.

“No entanto, chegou o momento de nos perguntarmos por que motivo tanto crescimento fez tão pouco para retirar as pessoas da pobreza – e por que motivo tantos recursos naturais de África estão a ser esbanjados através de práticas corruptas e actividades de investimento pouco escrupulosas”.

“África é um continente caracterizado por uma grande riqueza; então por que motivo a quota de África em termos da subnutrição e mortalidade infantil a nível global está a crescer tão rapidamente? A resposta é que a desigualdade está a enfraquecer a ligação ente o crescimento económico e as melhorias no bem-estar”, afirma.

Embora os rendimentos médios tenham crescido um terço na última década, existem agora mais africanos a viver em situação de pobreza, cerca de 415 milhões, do que no final dos anos 90.

“Os novos objectivos de desenvolvimento globais deverão ter por objectivo erradicar a pobreza até 2030, mas, tendo em conta as tendências actuais, um em cada cinco africanos ainda viverá em situação de pobreza quando chegar esse momento”, estima o diplomata ganês.

Kofi Annan, que desempenhou um papel central na formulação dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, declara: “Quando os países aderem ao novo quadro de desenvolvimento global, devem comprometer-se não somente a cumprir metas ambiciosas, mas também a diminuir as indefensáveis lacunas que separam os ricos dos pobres, as pessoas urbanas das rurais e os homens das mulheres”.

Os autores do relatório identificam a agricultura como a chave do crescimento para a redução da pobreza, salientando que a maioria das pessoas pobres de África vive e trabalha em zonas rurais, sendo predominantemente pequenos agricultores.

“Os países que cresceram sustentados num sector agrícola em forte expansão, como a Etiópia e o Ruanda, demonstraram que o mesmo pode agir como um poderoso catalisador para o crescimento inclusivo e a redução da pobreza”, escreve o relatório.

O relatório apela a uma “revolução verde exclusivamente africana” que adapte as lições proporcionadas pela Ásia às circunstâncias africanas.

África importa actualmente 35 mil milhões de dólares em alimentos porque a agricultura local é prejudicada por uma baixa produtividade, sub-investimento crónico e proteccionismo regional.

Um maior investimento em infra-estruturas e investigação poderia elevar drasticamente os rendimentos da região e as receitas dos agricultores. Entretanto, eliminar as barreiras que restringem o comércio no interior de África poderia abrir novos mercados.

Apesar de mostrar uma postura crítica face aos governos africanos, o Relatório do Progresso em África de 2014 também desafia a comunidade internacional a apoiar os esforços de desenvolvimento da região, destacando as pescas e a exploração florestal como duas das áreas em que são necessárias regras multilaterais reforçadas para combater a pilhagem dos recursos naturais.

A pesca ilegal, não declarada e não regulamentada alcançou proporções epidémicas nas águas costeiras africanas. Calcula-se – e esta é uma estimativa conservadora – que a África Ocidental perca 1,3 mil milhões de dólares por ano. Para além dos custos financeiros, esta pilhagem destrói as comunidades piscatórias que perdem oportunidades cruciais para pescar, transformar e comercializar o produto da sua pesca. Perdem-se ainda mais 17 mil milhões de dólares através de actividades ilícitas de exploração florestal.

“A pilhagem dos recursos naturais é uma actividade de furto organizado disfarçada de comércio. Os arrastões comerciais que operam sob pavilhões de conveniência e descarregam em portos que não registam as suas capturas são antiéticos”, declarou Kofi Annan, acrescentando que estas actividades criminosas agravam o problema da evasão fiscal e das empresas fictícias. O Relatório do Progresso em África de 2014 apela a um regime multilateral para as pescas que aplique sanções aos navios de pesca que não registem nem declarem as suas capturas. O relatório apela também aos governos de todo o mundo para que ratifiquem o Acordo sobre Medidas do Estado do Porto, um tratado que procura impedir que os pescadores clandestinos nos portos descarreguem o resultado dos seus proventos ilícitos.

Os líderes políticos africanos não conseguiram gerir os recursos naturais tendo em conta o interesse dos verdadeiros donos desses recursos: o povo africano.

Para além de perderem dinheiro através da pilhagem de recursos naturais e da má gestão financeira, os africanos perdem valor nos fundos recebidos do estrangeiro, não somente quando a ajuda dos doadores falha no cumprimento das suas promessas, mas até quando os elementos da diáspora africana enviam remessas para as suas famílias no continente. Prevê-se que o continente esteja a perder 1,85 mil milhões de dólares por ano porque os operadores de transferência de fundos impõem taxas excessivas sobre as remessas.

Com maiores receitas resultantes dos recursos, os governos africanos têm agora a oportunidade de desenvolver sistemas de tributação mais eficazes e de despender fundos públicos de uma forma mais justa, acrescenta o relatório. Por exemplo, 3% do PIB regional está actualmente afectado a subsídios de energia que se destinam principalmente à classe média. Esse dinheiro deveria ser desviado para a despesa social a fim de proporcionar aos pobres melhores hipóteses de escaparem à armadilha da pobreza.

“A resiliência e a criatividade de África são tremendas”, afirma Kofi Annan. “Possuímos uma população jovem enérgica e crescente. Os nossos dinâmicos empreendedores estão a utilizar a tecnologia para transformar as vidas das pessoas. Temos recursos suficientes para alimentar não só a nossa população, como também as de outras regiões. Chegou a hora de os líderes africanos, e de os parceiros de investimento responsáveis, libertarem este enorme potencial”.
  
Presidido por Kofi Annan, ex-Secretário-Geral das Nações Unidas, a África Progress Panel composto por dez membros, promove o desenvolvimento equitativo e sustentável em África aos mais altos níveis. O Painel divulga todos os anos, em Maio, a sua publicação de referência: o Relatório do Progresso em África.


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