“JES autorizou transferência
milionária”, diz Vater Filipe
Bissau, 19 dez 19 (ANG) - O antigo governador do Banco Nacional de Angola
(BNA), Valter Filipe, réu no caso "500 milhões", confirmou, hoje
(quarta-feira), em tribunal, que o antigo Presidente da República, José Eduardo
dos Santos, liderou a comissão das negociações e autorizou a transferência dos
USD 500 milhões.
Segundo o réu, José Eduardo dos Santos
passou a liderar o grupo de negociações pela parte do governo angolano com um
suposto sindicato de bancos internacionais, após o afastamento do ex-ministro
das Finanças, Archer Mangueira, que dirigia o processo.
O aludido sindicato negociava um suposto
financiamento de 30 mil milhões de euros, mas como garantia Angola teria de
desembolsar 500 USD milhões.
No processo, que envolve outros três
réus, Valter Filipe é acusado de peculato, branqueamento de capitais e burla
por defraudação.
É a Valter Filipe atribuída a
responsabilidade da transferência ilegal do BNA para o Banco Credit Suisse, em
Londres, como garantia da pretensa obtenção de financiamento de 30 mil milhões
de euros para a economia angolana.
“O Presidente da República, José Eduardo
dos Santos, aprovou o programa e era ele que estava a dirigir todo o trabalho
das operações de investimento. Eu (Valter Filipe) era, tão-somente, o
coordenador técnico da comissão”, assumiu.
O arguido admitiu ter sido subscritor do
contrato de transferência dos USD 500 milhões, a 10 de Agosto de 2017,
cumprindo uma ordem do então Chefe de Estado, que pretendia deixar dinheiro
para o país, em véspera da sua saída da presidência.
“Governador Valter, depois desses anos
aqui (no cargo), só lhe peço uma coisa: Tenha sucesso nessa missão e reze
muito, para dar certo. Esse processo depende de muita oração”, disse o réu ao
citar as palavras que lhe foram ditas pelo ex-Presidente, durante as
negociações do milionário contrato.
Valter Filipe afirmou que o
ex-Presidente conhecia todo o processo, porque era discutido, questionado, e,
às vezes, solicitava pareceres jurídicos a sua assessoria.
A dado momento da audiência, o juiz
questionou ao réu se tinha alertado o então Presidente da República sobre os
riscos da operação.
“O PR tinha essa preocupação. Da minha parte
havia a questão da reputação. Era uma missão de risco”, respondeu.
Sobre as circunstâncias em que assumiu o
comando técnico das operações das negociações com o aludido sindicato de
bancos, afirmou que tudo ocorreu durante uma audiência que solicitou ao então
Presidente da República, para emitir um parecer conjunto com o ex-ministro das
Finanças, em relação à idoneidade das pessoas e do processo.
“Quando fui ao gabinete presidencial,
José Eduardo dos Santos disse-me que o titular das Finanças não podia
comparecer à reunião por sobreposição de agenda”, continuou.
Explicou que, nesta ocasião, recebeu
orientações do então Chefe do Estado para assumir as negociações, não obstante,
ser uma actividade do Governo.
“Fiquei parado à frente do PR,
porque fiquei pasmo, devido a complexidade do processo e por estar fora da
órbita do Banco Nacional de Angola”, justificou.
Sobre as vantagens do financiamento,
considerou que seria promissor por representar uma “grande oportunidade” para Angola,
porque o BNA estava numa situação cada vez mais degradante, em termos
financeiros.
Em vésperas das eleições (2017),
explicou, o país entraria, nos seis meses seguintes, numa grave crise cambial,
igual a que vive a Venezuela. Não conseguiria sequer importar produtos básicos,
porque “estávamos num período em que o preço do barril do petróleo custava USD
40”, referiu.
Valter Filipe informou que a ideia do
ex-Presidente era permitir que o governo a sair das eleições de Agosto de 2017,
encontrasse dinheiro nos Cofres do Estado, para que conseguisse
recapitalizar a economia e proporcionar o bem-estar da população.
“Isso evitaria culpar-lhe por uma
possível degradação económica”, realçou.
O réu Valter Filipe declarou que o
processo de transferência dos USD 500 milhões, por si efectuado a mando de José
Eduardo Santos foi lícito, não houve camuflagem, nem foi fraudulento.
Informou que as hipóteses que se
levantam de ilegalidade nessa operação se devem ao facto de ter sido um
processo ultra-secreto, orientado, nesse sentido, pelo ex-Presidente.
Nessa senda, os detalhes do processo
eram conhecidos por José Eduardo dos Santos, Archer Mangueira, Valter Filipe,
José Filomeno dos Santos, Jorge Gaudens Sebastião e mais dois quadros do Banco
Nacional de Angola.
“Eu estava a perder a confiança de
alguns membros do Conselho de Administração do BNA, por vazão à imprensa de
informações confidenciais. Depois desse processo eu ia exonerá-los”, afirmou.
Na óptica de Valter Filipe, essa situação
levou aos membros do Conselho de Administração do BNA a prestar declarações à
PGR, durante a fase de instrução preparatória, com informações fora do
contexto, alegando que o processo havia sido ilegal.
Com base nessas declarações, segundo
Valter Filipe, a PGR fez uma acusação falsa.
O antigo dirigente do banco central
referiu que a transferência dos USD 500 milhões, enquadrada no quesito emissão
de títulos de garantia, é de sua competência estatutária, sendo que a operação
está registada no departamento de contabilidade, das operações e do fundo do
BNA.
“Do ponto de vista operacional, eu tinha
competência de transferir os USD 500 milhões”, ressaltou.
Depois do “sucesso” da operação da
transferência, Valter Filipe disse que o BNA, através da Unidade de Informação
Financeira (UIF), recebeu um alerta das autoridades financeiras de Londres
sobre o movimento decorrido no BNA.
“Isso fez-me bem”, disse, sob lágrimas,
afirmando que o alerta demonstrava a licitude do processo.
Valter Filipe considerou falsas as declarações
do actual governador do BNA, José de Lima Massano, feitas durante a fase de
instrução preparatória, segundo as quais a operação de transferência foi
registada pela contabilidade apenas em Dezembro de 2017.
“Foi por isso que a PGR pensou que foi
uma camuflagem da operação dirigida e orientada pelo PR”, assumiu, lamentando
que explicou a Lima Massano, durante a passagem de pastas, sobre esse processo
e manifestou-se disponível para mais esclarecimento. ANG/Angop
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