quinta-feira, 15 de agosto de 2019

Brasil e EUA


     Racismo institucional leva polícia a matar mais negros e pobres
Bissau, 15 ago 19 (ANG) - Os dados sobre agressões e mortes de jovens negros nos dois países são, segundo especialistas entrevistados pela RFI, alarmantes e salientam a desigualdade e o preconceito que muitas vezes custam a vida dos cidadãos.
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O consórcio de jornalistas americanos Fatal Encounters divulgou recentemente o resultado de um novo estudo sobre violência policial nos Estados Unidos. Analisando dados do Sistema Nacional de Estatísticas sobre Mortalidade no país, pesquisadores descobriram que homens negros têm 2,5 mais probabilidade de serem mortos pela polícia do que brancos.
Os dados divulgados pela pesquisa são chocantes: a cada mil homens negros, um será morto pela polícia ao longo de sua vida, seja com arma de fogo, taser ou sufocamento. O excesso de força policial lidera as causas de mortes de homens negros entre 25 e 29 anos, deixando para trás acidentes, suicídios, doenças cardíacas ou câncer.
Para o historiador francês François Durpaire, especialista em Estados Unidos, os dados divulgados no estudo da Fatal Encounters só reforçam o duro cotidiano de jovens negros no país. “Há o fator do racismo da polícia: isso está enraizado na história americana. Para o mesmo tipo de delito ou abordagem policial, se a pessoa é negra, maior é o risco que a situação saia de controle”, avalia.
Durpaire lembra que, embora a sociedade americana tenha evoluído nas últimas décadas, a comunidade negra continua enfrentando dois problemas principais: as desigualdades na relação com a polícia e com a Justiça.
 “Apesar das tentativas de integrar cidadãos negros aos júris, o tratamento da justiça é desigual com os negros. O próprio movimento Black Lives Matter não nasceu da revolta contra com os policiais, mas da absolvição de George Zimmerman. Ou seja, o problema não é apenas com a polícia, mas também com a Justiça”, destaca.
O caso Zimmerman comoveu o país em 2012. O vigia matou a tiros o jovem Trayvon Martin, de 17 anos, alegando legítima defesa. O jovem estava desarmado e foi perseguido e alvejado em um condomínio na periferia de Orlando por ter sido considerado “suspeito” pelo segurança.
Zimmerman foi inocentado, com a hipótese de um crime racista descartado, o que gerou uma onda de indignação nos Estados Unidos.
Essa banalização da violência contra negros também tem relação com a grande quantidade de armas de fogo nas mãos de civis nos Estados Unidos. “É preciso lembrar que existe uma taxa de 120 armas a cada 100 habitantes – a maior no mundo. Então, quando um policial faz uma abordagem, ele parte do princípio que há grande possibilidade de que o suspeito esteja armado. Por isso a polícia americana não hesita em atirar”, avalia Durpaire. 
Para o professor Adalmir Leonídio, coordenador do  Observatório da Criminalização da Pobreza e dos Movimentos Sociais da USP, há  similaridades entre a situação nos Estados Unidos    e no Brasil. “Nos dois países, o alvo preferencial da violência policial - que se traduz em tortura e assassinatos - são preferencialmente negros e pobres, moradores dos chamados ‘territórios da pobreza’. No entanto, precisamos considerar a desproporção numérica entre as duas realidades. O Brasil mata muito mais negros e pobres que os Estados Unidos”, ressalta.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, dos 5.896 boletins de ocorrência de mortes devido a intervenções policiais entre 2015 e 2016, 76,1% das vítimas eram negros: 5.769 homens e 42 mulheres. Grande parte é jovem: 35,5% têm idades entre 18 e 29 anos. Em 2018, o número de mortes cometidas por policiais na ativa subiu para 6.160 pessoas.
Nos Estados Unidos, de fato, esse número é expressivamente inferior. Segundo o Sistema Nacional de Estatísticas sobre Mortalidade do país, cerca de três americanos são mortos por dia pela polícia, contra 16 no Brasil. Em 2018, 992 pessoas morreram em intervenções policiais nos Estados Unidos.
Mas o que justifica essa filtragem racial da polícia brasileira? Para Leonídio, não há dúvidas: no Brasil, existe um senso comum penal desde o início da desagregação do trabalho escravo no país que relaciona negros e pobres ao potencial criminoso. “Essa parcela da população está envolvida em um clima de permanente suspeição. Nesse novo governo em particular, esse senso comum penal não só foi exacerbado como tem sido explicitamente assumido, o que tem sido favorável à execução de pobres e pretos”, salienta.
Para o especialista, a própria legislação criminal permite a predisposição ao combate arbitrário do “criminoso”, que, ressalta, é uma produção social. “O sistema penal não visa combater o crime, mas o criminoso: essa figura é envolta em todo um manto de estigmas e que obviamente não vai ser o rapaz branco, de classe média”, diz.
Por isso, segundo Leonídio, existe uma “produção criminológica” para o enquadramento desta população à margem da sociedade. “Essas pessoas não são absorvidas pelo mercado de trabalho, não fazem parte da lógica mercantil em evolução e é preciso fazer alguma coisa delas. Isso vai ser muito mais grave em países como o Brasil, onde há uma História de quatro séculos de escravidão. Existe um inimigo interno a ser combatido que, há cem anos, era o ex-escravo. Hoje é o morador da periferia pobre, que se configura como uma ameaça permanente ao patrimônio dos ricos”, reitera. ANG/RFI


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